Ontem
e hoje
Chamava-se
Virgolina.
Muito
viva, muito garota, parecia um vivo demônio. Era destas feias simpáticas, tão
simpáticas e cativantes que ninguém dá pela sua fealdade. Andava sempre um riso
escarninho a brincar-lhe nos lábios cor de romã, e nunca uma sombra de tristeza
nublara o seu olhar azul muito doce, muito suave.
Andavam
de boca em boca os seus ditos engraçados, às vezes duma graça que feria,
fazendo rir ao mesmo tempo. Ninguém lhe queria mal, ninguém lhe era sequer
indiferente, tanto a sua fútil pessoinha encantava. Os que a encontravam na rua
cumprimentavam na com afabilidade, e raros deixavam de a provocar, obrigando-a
a uma girândola de gargalhadas cristalinas, que faziam rir por contagio quando
a ouviam rir.
Espalhou-se
um dia, na aldeia, que a Virgolina ia casar. Ao princípio ninguém acreditou;
mas um domingo, à hora da missa, o padre fez as proclamas, e desde esse momento
não havia que duvidar. O noivo era um rapaz de fora, que ela conhecera numa
romaria, e por quem se apaixonara doidamente.
Todos
esperavam que ela mudasse, noiva já apregoada, deixando aqueles modos
desenvoltos, em que punha uma graciosidade de rapariga andaluza, e aquelas
falas muito jocosas, de uma ironia às vezes sangrenta, em que havia talvez
demasiada liberdade.
Mas
a Virgolina não mudou até ao dia em que deu o laço indissolúvel, aceitando por
seu legitimo esposo o eleito do seu coração. Nem chorou, como é da praxe,
quando saiu de casa para a Igreja, muito taful, com o seu véu de noiva, e as
suas flores de laranjeira, como um diadema, enfeitando o seu cabelo negro.
No
dia seguinte, logo de manhã, como de costume, a Virgolina saiu de casa para ir
à fonte. Como passasse a pequena distância dum rancho de raparigas:
—
Ó Virgolina! O Virgolina!
Nem
olhou para lá. O caso fez sensação no grupo, e logo uma delas se destacou, a
interrogá-la.
—
Não ouviste chamar-te?
—
Eu não.
—
É impossível. Gritamos todas — Ó Virgolina! Ó Virgolina.
—
Pois aí está; cuidei que não era comigo.
—
Que não era contigo?...
—
Pois está claro. Se fosse ontem, ouvindo chamar — ó Virgolina! — acudia logo;
mas hoje...
—
Hoje o quê? Não percebo...
—
Tu o perceberás um dia.
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Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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