7/08/2019

O Serpentário (Lenda), de Barbosa Rodrigues



O Serpentário

Contam que uma mulher foi um dia à casa de um homem casado e pediu para ali ficar.

Perguntou-lhe o homem:

— Que sabes tu fazer?

— Sei fiar.

— Então, fia.

Dizem que lhe deu algodão. Depois a mulher ficou em casa dele. Deixavam-na só e nada lhe davam para comer. Então, ela ia ao ninho das galinhas e tirava os ovos para chupar, e deixava as cascas inteiras, como se não fossem quebradas. Depois disso o homem voltou do mato com dois ovos de mutum; quebrou um e meteu dentro dele um cabelo humano. Em seguida, a mulher foi chupá-los. Cresceu-lhe tanto a barriga que ela já não podia andar. Voltando do mato, o homem disse-lhe:

— Vamos apanhar sorva que encontrei aqui perto.

Dizem que da barriga responderam-lhe:

— Eu vou contigo, minha mãe. Disseram eles então:

— Que é isto?

— Eu vou contigo, minha mãe.

O homem foi com ela, apesar da barriga grande. Apenas chegaram junto à sorveira, o homem disse:

— Cortamos ou subimos?

— Eu mesmo subo.

Então o homem tirou a maior sorva; tirou dela o conteúdo e encheu-a de saliva. Da mulher que estava sentada saiu uma cobra que subiu para a sorveira. Ainda estava na barriga a metade, já a cabeça estava na ponta da árvore, engrossando ao mesmo tempo. Então, disse o homem:

— Agora, quando acabar de sair, mete a ponta do rabo na casca da sorva.

A mulher meteu-o logo. Então fugiram, levando o homem a mulher as costas para casa. Logo depois, a cobra gritou:

— Minha mãe! Minha mãe!

— Uh! Uh! ...

Chegaram a casa. Imediatamente o homem meteu a mulher num pote e pôs terra em cima. A cobra foi no encalço da mãe, chegou e chamou-a... chamou-a. A mãe não respondendo, saltou a filha ao rio. Procurou o fundo e não o achou. Subiu e foi para o céu.

A cobra grande chamou o homem e disse:

— Meu avô, escondeste minha mãe. Agora vou-me embora para o céu; não achei lugar no rio e quando eu te chamar, me responderás. Quando eu aparecer, capina tua roça, porque será então o princípio do verão.


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Fonte:
João Barbosa Rodrigues (1842-1909): "Poranduba amazonense" (1890)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)

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