7/15/2019

O Fanfarrão (Crônica), de Sylvio Floreal



O Fanfarrão

O fanfarrão é o produto híbrido dos grandes centros, o que não impede que as pequenas cidades também possuam tal produto, porque eles quase sempre são atacados do delírio ambulatório e por isso há-os em toda parte. São Paulo também se orgulha de possuir, em seu seio, uns tantos ou quantos fanfarrões de diversas cores, raças e idades.

É sempre um indivíduo dotado de uma audácia de felino e do cinismo bonachão do macaco; é um indivíduo em transição: vem do baixo caldeiro social e traz a válvula da sua ânsia constantemente aberta, deixando transparecer todo o seu imenso desejo de mudar de condição de vida e escalar esferas sociais superiores àquela a que o nascimento plebeu o condenou a viver.

O fanfarrão é divertido às vezes, sendo ele a mentira ambulante, toma sempre atitudes e ares de quem quer falar verdades. Mas as suas verdades só conseguem provocar a chufa e a galhofa, porque através de todas elas percebemos o sujeito escondido atrás do biombo da mentira.

Quase sempre são enfadonhos e faladores da vida alheia; raramente são discretos. São todos uns desgraçados, dotados de uma regular dose de mediocridade, falhos de cultura, de compostura e de bom senso: são pobres diabos, mais pobres do que os diabos. Todos se julgam um caso de alta investigação psicológica, porque afinal alardeiam uma certa complicação que não possuem e uma vida cheia de regalias que nunca tiveram.

O fanfarrão é o amigo de toda a gente que nunca foi seu amigo; passa pela rua, sorri a todos os desconhecidos, cumprimenta a cada passo, sempre meloso e cheio de frases estudadas. A única criatura que ele detesta, com toda a força da sua fanfarronice, outro fanfarrão como ele...

Entre os fanfarrões não se confirma a lei química de que os elementos da mesma espécie se atraem; não, eles se repelem e até mesmo se guerreiam; são afinal uma classe desunida!

Todos os seus gestos são imitados, assim como todas as suas façanhas; as de ordem amorosa são repetições de romances baratos e cópias deturpadas de proezas de outros indivíduos que caíram na asneira de lhes contar uma aventura.

Falsos que nem a mão do diabo, embusteiros como os personagens de Molière, argutos como o caramujo, que atingiu a perfeição de carregar a própria casa ao lombo. E eles, não tendo casa, a maioria das vezes, a golpes de pouca vergonha e de lábias, penetram sem a mínima sem cerimônia em todas as casas.

Ninguém lhes tem ódio, porque se como amigos não valem nada, como inimigos tanto menos.

Inegavelmente são felizes, mas dessa felicidade boba, que não inspira inveja a ninguém. Sabem que são maçadores e inconvenientes, mas, não obstante isso, não perdoam a ninguém; vivem à toa, escorraçados, gentilmente, de todas as partes. Inspiram piedade e comiseração; razão pela qual ninguém os desacata.

Possuem a moral dos ladrões e dos detetives, e por isso se acham bem em toda a parte, pensando que são as criaturas mais úteis da terra...


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Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.

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