O fanfarrão é o produto híbrido dos
grandes centros, o que não impede que as pequenas cidades também possuam tal
produto, porque eles quase sempre são atacados do delírio ambulatório e por
isso há-os em toda parte. São Paulo também se orgulha de possuir, em seu seio,
uns tantos ou quantos fanfarrões de diversas cores, raças e idades.
É sempre um indivíduo dotado de uma
audácia de felino e do cinismo bonachão do macaco; é um indivíduo em transição:
vem do baixo caldeiro social e traz a válvula da sua ânsia constantemente
aberta, deixando transparecer todo o seu imenso desejo de mudar de condição de
vida e escalar esferas sociais superiores àquela a que o nascimento plebeu o
condenou a viver.
O fanfarrão é divertido às vezes,
sendo ele a mentira ambulante, toma sempre atitudes e ares de quem quer falar
verdades. Mas as suas verdades só conseguem provocar a chufa e a galhofa,
porque através de todas elas percebemos o sujeito escondido atrás do biombo da
mentira.
Quase sempre são enfadonhos e
faladores da vida alheia; raramente são discretos. São todos uns desgraçados,
dotados de uma regular dose de mediocridade, falhos de cultura, de compostura e
de bom senso: são pobres diabos, mais pobres do que os diabos. Todos se julgam
um caso de alta investigação psicológica, porque afinal alardeiam uma certa
complicação que não possuem e uma vida cheia de regalias que nunca tiveram.
O fanfarrão é o amigo de toda a gente
que nunca foi seu amigo; passa pela rua, sorri a todos os desconhecidos,
cumprimenta a cada passo, sempre meloso e cheio de frases estudadas. A única
criatura que ele detesta, com toda a força da sua fanfarronice, outro fanfarrão
como ele...
Entre os fanfarrões não se confirma a
lei química de que os elementos da mesma espécie se atraem; não, eles se
repelem e até mesmo se guerreiam; são afinal uma classe desunida!
Todos os seus gestos são imitados,
assim como todas as suas façanhas; as de ordem amorosa são repetições de
romances baratos e cópias deturpadas de proezas de outros indivíduos que caíram
na asneira de lhes contar uma aventura.
Falsos que nem a mão do diabo,
embusteiros como os personagens de Molière, argutos como o caramujo, que
atingiu a perfeição de carregar a própria casa ao lombo. E eles, não tendo
casa, a maioria das vezes, a golpes de pouca vergonha e de lábias, penetram sem
a mínima sem cerimônia em todas as casas.
Ninguém lhes tem ódio, porque se como
amigos não valem nada, como inimigos tanto menos.
Inegavelmente são felizes, mas dessa
felicidade boba, que não inspira inveja a ninguém. Sabem que são maçadores e
inconvenientes, mas, não obstante isso, não perdoam a ninguém; vivem à toa,
escorraçados, gentilmente, de todas as partes. Inspiram piedade e comiseração;
razão pela qual ninguém os desacata.
Possuem a moral dos ladrões e dos
detetives, e por isso se acham bem em toda a parte, pensando que são as
criaturas mais úteis da terra...
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Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
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