(Diálogo)
Um
caçador perdeu-se no mato e lá ficou. Chegando debaixo de uma grande árvore,
dormiu.
Ouviu
gritar. O Curupira bateu nas sapopemas das árvores e gritou; tornou a gritar
cada vez mais perto. Depois ouviu gritar ainda mais perto, já junto a si.
Chegou o Curupira junto dele, assentou-se e começou a conversar.
—
Como estás, meu neto?
— Sempre bom, meu avô e como você passa?
— Sempre bem
também.
— Ah! Meu avô! Eu perdi-me de casa.
— É possível, meu neto? Tua casa
não é longe. Quando vieste de casa?
— Ontem, meu avô.
Continuaram
a conversar.
—
Ah! Meu neto! Eu estou com fome.
— Eu também tenho fome. Nada comi ainda hoje.
— Meu neto, eu quero comer.
— Eu também.
— Meu neto, tu me dás a tua mão para
eu comer!
— Aqui está, meu avô.
Cortou
a mão de um macaco, que tinha trazido da caça da tarde daquele dia, e lhe deu.
Pegou nela e comeu.
—
Meu neto, a tua mão é gostosa, eu quero comer a outra.
— Aqui está, meu avô.
—
Ah! Meu neto! É bem gostosa a tua mão. Tu me dás também teu pé para eu comer?
—
Aqui está, meu avô.
Cortou
o pé do macaco e lhe deu.
—
Aqui está, meu avô.
—
Ah! Meu neto! É gostoso o teu pé!
— É possível isso, meu avô?
Depois pediu-lhe
também o coração.
—
Ah! Meu neto! Eu quero também o teu coração.
— Deveras, meu avô? Aqui está.
Tirou
logo o coração do macaco e lhe deu.
O
Curupira pegou e comeu logo o coração do macaco. Depois ele pediu o coração do
avô.
—
Agora eu também quero o teu coração.
—
É possível, meu neto? Então dá-me a tua faca.
—
Aqui está a minha faca.
Tomou
imediatamente a faca, feriu-se, caiu e morreu. Ali ficou e ele foi-se embora.
—
É bem feito que morresse.
—
Vou agora ver o Curupira que morreu, para lhe tirar os dentes verdes para
remédio; já deve estar podre, vou lhe tirar os ossos para bico de flechas.
Foi-se logo embora. Chegando ali achou os ossos já brancos, e foi tirá-los com o machado que levou.
Foi-se logo embora. Chegando ali achou os ossos já brancos, e foi tirá-los com o machado que levou.
—
Agora, com o machado, eu tiro os dentes.
Bateu
logo com o machado nos dentes. Ele ressuscitou e assentou-se. O homem
assustou-se bem.
—
Ah! Meu neto! Estou com sede, quero água.
— Deveras?
Urinou
logo no chapéu.
—
Aqui está água para você, meu avô.
— Acordei agora bom, mas não sei em que
ponto estávamos quando dormi. O que era, meu neto?
—
Não sei.
— Agora vamos, meu neto. O que queres tu, meu neto?
— Não sei.
— Eu te
dou uma flecha para tu matares caça.
— Dizes bem, meu avô.
— Então vamos.
—
Vamos.
Foram para o mato e ali ele deu a flecha.
—
Agora já tens uma flecha para caçar; queres ir te embora?
— Quero ir.
— Sabes,
porventura, onde é a tua casa?
— Não.
— Então eu vou contigo para tua casa.
—
Bem, meu avô, então vamos.
Chegaram perto de casa.
—
Agora, meu neto, eu vou-me embora e te deixo. Quando tu quiseres, já sabes onde
eu estou. Quando quiseres vai ter comigo. Sabes? Adeus! Desta flecha só tu
sabes o jeito, não a leves para casa, não contes a ninguém, nem a tua mulher.
Só tu sabes caçar com ela. Esta flecha é uma cobra surucucu; para matar a caça
não precisa arco, basta jogá-la. Eu conto para tu saberes que ela te deixará.
Bem, adeus!
—
Adeus, meu avô! Agora quando eu for passear irei ter contigo.
— Bem, meu neto,
eu estou sempre aí.
Depois
ficou um caçador feliz; matava muito, enquanto que os outros não. Ninguém sabia
como ele caçava. Diziam:
—
Como é isso? Ele mata pássaro, mata caça; como nós então não matamos?
— Não
sei.
— Nós vamos para o mato, caçamos e não matamos; ele vai e depressa chega,
quando menos se espera.
Outros
diziam:
—
O que será então? Vamos então vigiar como ele mata a caça.
— Vamos mandar dois
meninos vigiar.
— Vamos.
Foram
logo vigiar. Quando ele foi para o mato foram atrás. Foram escondidos vigiar,
viram tirar a sua flecha do galho da árvore e logo foram vigiar como ele matava
com a flecha.
—
Já vimos onde estava a flecha, com certeza já vimos.
Vigiaram-no.
Achou logo um pássaro voando. Viram depois atirar atrás a flecha e ir ver o
pássaro que estava morto no chão com a flecha ao pé.
—
É assim! Já sabemos agora como ele mata caça.
Voltaram:
—
Amanhã viremos para experimentar a sua flecha e ver como ele mata caça.
De
manhã foram lá. Acharam a flecha; tiraram-na; experimentaram logo num pássaro
que estava voando; atiraram; a flecha voou e voltou flechando um deles, que
chegou a cair, morrendo logo o menino. O outro voltou e contou: “Morreu meu
companheiro”.
—
De que morreu?
— Mordido pela cobra.
— Vamos ver.
Foram buscar e trouxeram o cadáver.
O
dono da flecha foi buscá-la para ir à caça, mas chegando não a achou mais.
—
Por onde perdeu-se minha flecha? Voltou talvez a ter com o seu dono. Agora sim,
não tenho mais minha flecha! Que se perca! Talvez eles a achassem; por isso já
ela voltou. Talvez a flecha voltasse e fosse ter com o Curupira.
Não
tardou em saber que acharam a sua flecha; que a experimentaram; que o menino
foi mordido pela cobra, que morreu e que por isso ela foi ter com o Curupira.
—
Foi bem feito! Quem mandou bulir nela? Pensavam que era uma flecha à toa, quando
era uma cobra. Assim fizeram perder-se a minha flecha, que não volta mais para
mim.
Por
isso o menino foi-se embora para outra terra, e fugiu com os outros parentes,
que por terem medo se mudaram desse lugar.
---
Fonte:
João Barbosa Rodrigues (1842-1909):
"Poranduba amazonense" (1890)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...