O Avarento
Compareceu
perante o juiz um avarento e queixou-se, com expressões de lastima, de que um
homem, há muitos anos, lhe devia uma certa soma da qual só tinha pago os juros.
— Vai chamá-lo,
disse o juiz, traze-o à minha presença. Quero saber por que é que ele te não pagou
ainda, e não posso condená-lo sem ouvi-lo.
O avarento
saiu e, logo depois, trouxe o devedor pelo braço, insultando-o e maltratando-o
com crueldade.
— Ei-lo aqui,
senhor juiz. É um mau homem, um péssimo vizinho, que não tem nenhuma
compreensão do dever, que não respeita as leis e que não me pagou ainda o
dinheiro que lhe emprestei generosamente.
— Fala agora
tu, devedor, ordenou o juiz. Por que é que não pagaste a este homem o que lhe
devias?
— Senhor!
balbuciou o homem humildemente, eu devia-lhe cem sequins que ele me emprestou. Paguei-lhe
a metade. Depois, como não lhe pudesse pagar o resto, ele cobrou-se por suas
próprias mãos, apropriando-se das minhas terras, vendendo os meus frutos,
roubando o meu camelo e despojando-me x das minhas roupas. Hoje nada mais tenho
senão estes andrajos que cobrem o meu corpo e estas mãos para pedir esmolas.
Então o juiz,
compadecido pela miséria daquele pobre homem e revoltado contra a avareza do credor,
voltou-se para este e perguntou-lhe;
— Que mais
queres deste homem? Já o reduziste à mais negra miséria. Sê um pouco piedoso, desperta
na noite de tua alma algum sentimento generoso. Deixa-o ir em paz.
— Não, senhor
juiz.
— Mas de que
modo queres que ele te pague?
— Quero que
ele venha para minha casa, para servir-me como escravo, até pagar os juros que
me deve.
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Francisca Júlia César da Silva Münster (1871-1920)
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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