Minhas aventuras numa viagem nos ônibus
Depois de um baile, o que eu gosto mais é de uma
viagem nos ônibus. Lá, como em marmota animada, veem-se cenas sérias,
ridículas, engraçadas, enfim tudo que pode acontecer entre pessoas de
diferentes condições. O modesto cruzado faz o que não tem podido fazer
imensidade de livros e sermões; pois nivela as condições, e estabelece uma
completa igualdade entre todas as pessoas que o possuem e querem fazer uma
viagem nos ônibus. Abençoados ônibus!
Fiquei tão entusiasmado que estou quase fazendo
uma minuciosa pintura deles... porém, não; isto levaria muito tempo; vou antes
dar a relação da minha última viagem.
Eu fui um domingo pela manhã às Laranjeiras com
a intenção de voltar à tarde em um ônibus; assim o fiz. Às 6 horas já eu
caminhava para comprar o meu bilhete, porém o ônibus ainda não tinha chegado, e
eu tive de esperar com mais dois sujeitos que lá estavam.
"Ó compadre, dizia um deles para o outro, o
Ônis não chega, já é muito tarde, e a
comadre já deve estar arrenegada."
"Não faça caso... oh! ele ali vem!"
O compadre tinha razão, o ônibus vinha chegando.
"É desaforo! — dizia um deles — estas surpresas (empresas) públicas devem ter
horas certas, e não fazerem a gente esperar; há mais de um quarto de hora já
nós devíamos estar assentados!"
Enfim o ônibus chega, e cada um de nós comprou o
seu bilhete. Depois que as pessoas que vinham dentro saíram, eu e os dois
compadres entramos, e nos assentamos. Daí a cinco minutos chegou uma bela
menina acompanhada de seu paizinho, e fui tão feliz que ela se assentou junto
de mim. Oh! que deliciosa coisa é estar no ônibus assentado junto de uma bela
moça! sobretudo quando ela não traz chapéu!!...
Em menos de dez minutos o ônibus estava com as
pessoas que podia levar, e entre elas (ainda me lembra com zanga) estava um
rapaz que me pareceu o namorado da minha vizinha, e que se tinha assentado
defronte dela. Eu estive quase furando-lhe os olhos com a bengala;porém
contive-me.
Já íamos principiar a nossa viagem, quando vimos
um embrulho rolando pela estrada com direção a nós, e em pouco tempo o
conhecemos que era uma pobre mulher gorda como uma baleia que corria a botar os
bofes pela boca, para poder achar ainda um bilhete. Coitadinha! ficou lograda!
que caretas que fez! Como eu tive pena dela, aconselhei-a que viesse rolando
até a cidade, e em troco deste bom conselho deu-me uma descompostura formal. E
deem lá conselhos!
"O Senhor Juca ainda não pagou", disse
o recebedor, dirigindo-se para o namorado de minha vizinha.
"Aqui está o dinheiro", e puxando por
uma nota de 5$ que ele teve o cuidado de fazer que a sua amada visse, entrega
ao recebedor.
"Eu já lhe dou o troco."
"Não é preciso, não é preciso, eu não faço
caso de 5$." E depois de mostrar este heroico desprezo, olhou
impavidamente para a sua amada. Bravo, brevíssimo, disse eu, isto vai às mil
maravilhas! Assim é que se namora!
Por mais esforços que fizesse o recebedor para
que o nosso namorado recebesse o troco, não foi possível.
Enfim partimos com grande satisfação dos dois
compadres, e ainda não tínhamos dado vinte passos, quando o ônibus passando por
uma vala deu um forte salto, e a minha vizinha com o solavanco caiu por cima de
mim! Se eu fosse administrador dos ônibus, mandava fazer valas por todo o
caminho, e morava dentro de um deles.
Logo que principiamos a nossa viagem, eu senti
que me pisavam o pé; no princípio pensei que seria acaso; porém eu recuava o
meu pé, e o outro acompanhava-o sempre pisando. Por fim, estando já um pouco
zangado com a teima, olho e vejo que era o nosso namorado que porfiava a pisar
no meu pé, pensando pisar no da sua amada! Na verdade, tive vontade de dar uma
risada; porém achei que era mais divertido desfrutá-lo um pouco, e logo que
tive esta ideia, arrumo o pé que estava livre em cima do pé do sujeito. Oh! se
vissem o prazer que brilhou nos seus olhos!
Ele fazia trejeitos, revirava os olhos, lambia os beiços, enfim todas as
asneiras que é capaz de fazer um namorado. O brinquedo já não me ia agradando
muito, porque os calos principiavam a doer-me; e o namorado, achando pouca
sensibilidade no pé, pisava cada vez mais forte; por fim, já não podendo
aturá-lo por ter machucado o meu melhor calo, disse-lhe muito arrebatadamente:
"O senhor pretende alguma coisa? se me quer falar, não é preciso pisar-me."
Todos olhavam espantados para mim, o sujeitinho ficou branco como a cal, e a
minha vizinha olhou para mim com tanta raiva que quase lhe disse: Minha bela
senhora, ainda que eu tenha muita sensibilidade nos pés, pode pisar neles todas
as vezes que quiser. Porém como não queria envergonhá-la, e como também o
paizinho já olhava de través para mim, calei-me, e no meio de seus arrufos, e
das ameaças que me fazia o namorado, chegamos ao Largo do Machado. Aí
principiou uma contestação entre os dois compadres.
"Ó compadre", dizia um deles apontando
para uma bandeira holandesa que estava em um mastro, "sabes que bandeira é
aquela?"
"Sei, respondeu o outro, é bandeira
francesa."
"Pois não é; a bandeira francesa é
perpendicular, e esta é às avessas."
"Às avessas! Ah! Ah! essa não é má!
replica-lhe o outro; assim não é que se diz, compadre. Você deve dizer: a
bandeira francesa é perpendicular, e a holandesa oriental (horizontal)."
Uma risada geral apoderou-se de todas as pessoas
que vinham no ônibus, e os dois compadres, desconfiando, por isso saíram, e
continuaram a sua viagem a pé, fazendo deste modo esperar a comadre.
"Para! para!" gritaram de uma porta na
Rua do Catete. O ônibus para, e entra uma mulher velha e feia como uma bruxa;
ela se assenta a meu lado; mas enfim havia compensação, se tinha uma velha de
um lado, tinha uma moça de outro.
"O senhor gasta?" diz-me a velha
puxando pela manga de minha casaca.
Eu calado.
"O senhor tem tabaco?" torna a
insistir a bruxa.
Ora, como desta vez eu podia mostrar a minha
vizinha que eu não era nenhum tolo, e que sabia meu bocado de francês, respondo
em voz alta: Je n'en ai pas.
"Eu não peço jenipapo, eu peço tabaco", responde-me a velha.
Por esta vez fui o alvo das risadas; o nosso
namorado, achando ocasião de vingar-se, ria como um doido, e a minha vizinha
fazia coro.
No meio destes e outros muitos acidentes,
chegamos ao Largo do Rossio. Cada um tomou para seu lado. A minha ex-vizinha
deu o braço ao paizinho, e encaminharam-se para a Rua dos Ciganos, e o
namorado, que tinha talvez que fazer, e não podia acompanhá-la, ficou olhando
com olhos de lula, até que ela desapareceu.
Eu fui para casa, jurando passear nos ônibus
todas as vezes que pudesse.
é fake esse texto não é o original
ResponderExcluirCrônica publicada pelo Correio das Modas em 26 de janeiro de 1839.
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