Isabel
Isabel era uma
menina de dez anos mais ou menos.
Desde a mais
tenra a infância já mostrava o seu caráter vaidoso, um desejo de aparecer, de realçar,
sobressair entre as demais.
Nessa idade
tinham-se aguçado tanto as suas más qualidades e se acentuado a sua tendência
para o aparato, que toda a vez que lhe faltava um enfeite ao seu vestido ou uma
fita ao seu chapéu, revoltava-se, batia o pé, e, apesar de bonita, graciosa
mesmo, e de um aspecto agradável, nesses momentos de cólera parecia feia e só
inspirava repulsão e antipatia.
Sua mãe,
mulher de costumes simples e de boa alma, educada na escola do carinho e da religião,
tinha um grande desgosto com isso, e muitas vezes surpreendiam-na com o rosto
entre os joelhos, chorando, afogada em soluços.
Chamava a
filha para junto de si, sentava-a no colo, anediava-lhe os cabelos, num gesto
bom de maternal ternura; dava-lhe bons exemplos, ensinava-lhe o caminho do bem,
com uma paciência e resignação x de que só são capazes as mães extremosas.
Certo dia,
Isabel aproximou-se de sua mãe e disse-lhe:
— Mamãe, há já
alguns dias que resolvi abandonar todas as minhas amigas atuais, porque elas me
parecem tão insignificantes!
— Fazes mal,
minha filha, falou a mãe com tristeza. Entre as tuas amigas e companheiras há algumas de bons costumes e dignas da tua amizade. Não as abandones.
— Vou
deixá-las, sim. Conheço uma menina que é melhor que todas elas. Chama-se
Marieta. É elegante como nenhuma, graciosa, espirituosa, veste-se à última
moda, e é o alvo da inveja no círculo das minhas colegas. Quero andar em companhia
delia, para que todo o seu encanto reflita sobre mim e eu seja invejada também.
À mãe umideceram-se-lhe
os olhos de lágrimas. Envolveu a filha com um olhar de censura e, antes que uma
repreensão violenta lhe saísse da boca, chamou a menina para junto de si e
falou-lhe com brandura:
— Certa vez
uma semente de arbusto, na aproximação da primavera, ainda estava solta sobre a
terra, sem coragem de aí deitar suas raízes, receando crescer ao relento ou sob
os ardores do sol. Então deixou-se rolar ao vento, e foi indo, foi indo, até
chegar-se ao pé de uma pequena árvore, que ostentava sua galharia verde e
exuberante à margem de uma cisterna.
Debaixo de sua
folhagem havia uma sombra fresca onde crescia um viçoso musgo que se espalhava em
feitio de veludoso e macio tapete.
Foi aí o lugar
em que a semente resolveu plantar-se.
Plantou-se,
criou raízes e cresceu.
Foi crescendo
pouco a pouco. Dia a dia iam-lhe rebentando novas folhas, novos brotos, novos
galhos, até que, quando a primavera veio, e invadiu a campina inteira,
encontrou o arbusto numa florescência bonita, sorrindo numa radiação de
mocidade.
O arbusto,
como era muito débil e não tinha forças para lutar contra a violência da
ventania, foi estendendo os braços e agarrou-se ao tronco da arvorezinha, que
lhe servia de arrimo.
Aconteceu,
porém, que numa noite de tempestade e de trovões, um raio maligno caiu com
grande estrondo e cortou a árvore. O arbusto encolheu-se de medo, mas
salvou-se.
No outro dia
rompeu o sol, e o seu calor era tão intenso que crestou as folhinhas da pobre
planta, lhe queimou o tronco, lhe secou a seiva e a matou.
— Aí está a
minha história, minha filhinha; ela servirá de exemplo para te corrigires.
Nunca procures ter o valor que te emprestam os grandes, porque si eles morrem
ou decaem do poder e da grandeza, tu cairás também como o pequeno arbusto,
humilhada pelo desprezo de todos. Será melhor, pois, que tenhas o valor que te
dão as tuas próprias qualidades, tuas próprias virtudes, e faças por sobressair
por teu próprio esforço.
Daí em diante
Isabel corrigiu-se e hoje é uma excelente menina, querida e simpatizada por
todos.
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Francisca Júlia César da Silva Münster (1871-1920)
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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