(Estados
Unidos)
A ventanilha do "Observer-Car"
vai absorvendo devolvendo, em quadros instantâneos, as terras
americanas. A velocidade multiplica os espetáculos, condensa as paisagens,
transforma campos, vilas, e cidades em schemas
dinâmicos.
Os rebanhos de touros e carneiros projetam-se
sobre as arvores, colam-se às casas rústicas das granjas, desaparecem, entre
bandejas de verdura, e tornam a voltar, pendurados em montículos ou esparramados
em manchas pardas sobre os vales.
De vez em vez, a cúpula de um capitólio provinciano
sucede aos largos mantos d'água do Missouri.
Por toda a parte, a lição da igualdade. O "standard" arquitetônico
reproduzindo o "standard" ético e social. Tudo disposto para o verão:
chapéus, galhos de arvoredo, varandas de roças, trajes masculinos, vestes femininas.
Os Estados da União diferem, entre si,
apenas pelos nomes.
O andar do camponês, preciso, retilíneo,
seguro de si mesmo, assemelha-se ao do corretor de Wal-Street, ao do operário
de Petersburgo, ao do político de Washington. Acompanhando as vacas e os bois,
o agricultor americano não segue os animais com aquele instinto amoroso do pastor
europeu, mas com a decisiva energia de um jogador de Bolsa. A massa viva do
gado converte-se, no seu olhar duro e ávido, em operação comercial, em títulos,
em cifras.
Mireio não nasceria aqui. O lirismo da
terra não se infiltrou nessas almas algébricas.
Ao meu lado, na poltrona do Pullman, um
senador do Arkansas procura explicar-me a geografia do seu país. Observo que só
a dimensão o seduz. Tudo se traduz, no seu espírito, em pesos e medidas. Seu
cérebro registra estatísticas. Ele não vê o pinheiro, vê os pinhais, não escuta a sinfonia mas enumera os instrumentos que a executam. Não
o ouço mais. Suas palavras confundem-se com os sons dos aços que trepidam,
incorporam-se aos ruídos metálicos do trem.
Retomo o fio do meu pensamento.
A raiz da civilização norte-americana entranha-se num desesperado
urbanismo. Os campos industrializam-se,
à espera das futuras cidades, que virão, mais tarde ou mais cedo, lastrar sobre
aquelas ervas, que se agitam ao vento morno de julho.
No alto do seu cavalo, o "cowboy" já tem o aspecto do policeman.
O mais humilde cultivador ó um pequeno Babbitt recalcado, que
sonha com um rádio, um Ford e um banheiro de azulejos. As multidões brancas dos
Estados Unidos caminham sempre em direção à cidade.
Por isso, as criações do branco são um fenômeno de justaposição.
As complexas correntes migratórias aglutinam-se à feição dos bancos de coral.
Produzem uma vegetação rica, mas disparatada, onde permanece, indestrutível, a
constante europeia. Suas expressões mais características renovam o modelo
primitivo. O Woolworth Building é gótico. O Capitólio é greco-romano. As
colunas de Chicago ou de São Francisco têm cem metros ou mais de altura. Mas a
quantidade não esconde a qualidade. Ao contrário. Diminui. Com má
vontade, poderíamos dizer que a enormidade norte-americana é uma diminuição
involuntária da Europa. O fenômeno, entretanto, não é esse. O yankismo é
uma adaptação, em planos desmesurados, da técnica europeia. É uma grandeza
material, de caráter provisório. Uma grandeza que busca as suas proporções. O espírito
ainda não lhe insuflou vida própria.
Os Estados Unidos atravessam uma fase de
civilização com andaimes. Todo o esforço da sua cultura está, justamente, em
poder retirá-los, quando a obra de criação verdadeira estiver concluída.
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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2019)
Imagem: "Sanguínea de Antônio Carneiro"
Imagem: "Sanguínea de Antônio Carneiro"
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