É a segunda vez, depois da morte de Eça de Queirós, que a cidade de Lisboa presta homenagem à obra, ou melhor ao talento deste ilustre escritor.
Lisboa bem pode honrar-se de, em seu nome e
no do país inteiro, dilatar até à contemplação dos vindouros, no mármore das
suas praças e dos seus jardins, a memória daquele artista, que fez esplender em
língua portuguesa o método analítico de Balzac e o estilo naturalista de Stendhal
e de Flaubert.
A evolução progressiva na vida de um povo é a
melhor afirmação de que este zela a característica da sua raça e a sua comunhão
no convívio das nações mais cultas.
A par do desenvolvimento moral e material de
uma nação, satisfazendo as exigências, que resultam da expansão prodigiosa das ciências
em todo o mundo, acrescentar o vocabulário de um povo e dar forma elegante e sugestiva
à sua literatura é um dever de quantos prezam o vigor e a independência de uma
nacionalidade.
Camões, criando, ao influxo da Renascença, o
formoso idioma, que aperfeiçoou o dos antigos cronistas, mal emancipados dos dialetos
castelhanos, tanto fez em proveito da nossa autonomia quanto o tinha feito a
espada vitoriosa do Mestre d’Aviz, e o arrojo descobridor dos nossos mareantes.
Se outro mérito não houvesse de ser
enaltecido, e muitos outros ilustram o humor e a arte da obra de Eça de
Queirós, bastaria o enriquecimento do nosso dicionário para que Portugal lhe
recomendasse o nome à admiração dos pósteros.
Os escritores, que mais ilustraram o seu nome
e honraram a literatura pátria, devem os seus principais títulos de glória a
terem acomodado a sua obra aos progressos do seu tempo e do seu meio, afinando
a ideia e a forma pelo modo de ser e de sentir do nosso povo.
Não se confunde com a de Garret, com a de
Herculano, com a de Castilho e com a de Camilo, a prosa moderna, graciosa,
cheia de surpresas filosóficas e de neologismos
elegantes do ilustre escritor, que hoje celebramos; mas merece também a
gratidão da pátria.
Pode haver controvérsia na apreciação das
escolas em que se agrupam os nossos mais distintos publicistas; não míngua
porém esta luta o valor dos mestres de cada uma delas, que o ocupar tão honrosa
magistratura é prova de grandes e excepcionais faculdades.
Honra-se pois a cidade de Lisboa e o país
inteiro em celebrar a obra de Eça de Queirós; a sua morte deu vibrações de dor
a esta terra, em cujo idioma ele a escreveu e àquelas onde a arte e a crítica
mais evolucionam e progridem, e que tão afetuosamente a traduziram.
Ao consagrado escultor Teixeira Lopes e ao
grupo de amigos dedicados, que promoveram e realizaram esta celebração, entre os quais justo é especializar o Conde de
Arnoso, meu amigo, são devidos os mais alevantados louvores.
Em nome da cidade de Lisboa, e como presidente
da Comissão Administrativa do Município, tenho a subida honra de aceitar e de
agradecer o monumento, levantado pela dedicação de amigos à memória de um dos
maiores escritores portugueses contemporâneos e que tão cedo foi roubado às
letras pátrias.
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MARQUÊS D’ÁVILA
MARQUÊS D’ÁVILA
"Discursos", 9 de novembro de 1903.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019).
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