CAPÍTULO
1: A
VINGANÇA
Na
manhã do dia 11 de setembro de 1711, os sinos da Igreja da Sé, situada no morro
do Castelo, e os tambores dos regimentos de milícias tocaram a rebate. O povo
corria atemorizado pelas ruas da cidade; uns dirigiam-se para o Castelo e
outras eminências da cidade, e os mais timoratos corriam para as suas casas. Os
soldados de milícias, saindo fardados e armados de suas habitações, dirigiam-se
com a pressa que lhes permitia o seu armamento, para se reunirem aos seus
respectivos corpos. A guarnição portuguesa, desde o dia 10 já estava sobre pé,
e se tinha postado no prolongamento da costa, compreendida entre o Forte do
Calabouço e o Saco do Alferes. O ruído das armas, os pesados passos dos
soldados, o surdo rodar das carretas das peças de artilharia, o som do clarim,
tudo enfim atemorizava as almas fracas, ao mesmo tempo que incutia valor nos
peitos valentes e destemidos.
O
povo, que coroava o morro do Castelo, podia distinguir com facilidade uma
esquadra que bordejava fora da barra: era ela a causa do terror espalhado entre
os habitantes de São Sebastião. No dia 10, depois do meio-dia, viu-se algumas
velas que se dirigiam para a entrada do porto; em pouco tempo pôde-se
distinguir a sua nacionalidade. Todos os navios traziam o pavilhão francês.
O
governador D. Francisco de Castro, não esperando da parte dos franceses senão
hostilidades, já por cobiçarem as inumeráveis riquezas minerais, descobertas
nas províncias de São Paulo e Minas Gerais, já pelo assassinato cometido na
pessoa do Almirante Du Clerc, deu ordens para que as fortalezas do porto e a
guarnição fizessem todo o possível para impedir a entrada da esquadra inimiga.
Toda
a tarde do dia 10, e parte da manhã do dia 11, os franceses bordejaram fora da
barra e do alcance da artilharia dos fortes. O seu prudente chefe, o Almirante
Duguay-Trouin, não queria aventurar a sorte da esquadra debaixo de seu
comando, em um ataque mal dirigido, e onde não visse um feliz êxito; assim
esperava ele um vento favorável para poder entrar com vantagem no porto. Às 8
horas da manhã principiou a soprar da parte do sul um vento rijo e forte.
Duguay-Trouin faz sinal a toda a sua esquadra para que o siga, e ele, pondo-se
à sua frente, dirige a proa de seu navio para a entrada da barra.
As
pessoas que viam das iminências e arredores da baía o aspecto hostil que tomava
a esquadra inimiga, esperavam com ansiedade o êxito do combate.
As
fortalezas e fortes abriram o fogo, porém a esquadra continuava a sua marcha. A
capitania foi a primeira que sofreu o fogo dos fortes; uma chuva de balas caía
ao redor dela e fazia ferver o mar; os artilheiros franceses, como morrões
acesos, esperavam com impaciência o momento do combate. Duguay-Trouin, depois
de estudar a posição de toda a sua esquadra, manda fazer sinal para que ela
abra o seu fogo, e embocando a sua buzina de comandante, solta estas palavras
há muito esperadas: – Fogo! fogo de bombordo e estibordo!!
Uma
detonação terrível se ajuntou ao concerto infernal. Toda a esquadra seguiu o
exemplo.
–
Assim! assim! meu bravos!.. sustentem o fogo; que um turbilhão de fumaça nos
oculte à artilharia dos fortes!
Uma
fumaça densa e branca ocultou aos olhos dos espectadores a cena do combate;
porém eles ainda podiam conhecer que a esquadra continuava a avançar.
Um
mancebo de alta estatura, que comandava uma das companhias postadas no Forte do
Calabouço, via com impaciência que a esquadra francesa penetrava no porto, e
que os navios de guerra portugueses estavam estacionários.
–
Ah! que não esteja eu dentro de uma daquelas Naus! Então; enquanto uma só tábua
estivesse unida a outra, eu defenderia a entrada do porto!... Agora é que
eles principiam a suspender ferro!... mas já é tarde!!... Oh! e eu nada
posso!!...
Henrique
tinha razão. A esquadra portuguesa foi lenta em seu movimento; e quando ela
quis impedir a marcha vitoriosa da esquadra francesa, foi tarde.
Duguay-Trouin
atravessou toda a baía, fazendo continuadamente fogo, e com pouco custo
apoderou-se da Ilha das Cobras, aonde desembarcou.
Henrique,
temendo o bombardeamento da cidade pela esquadra francesa e Fortaleza da Ilha
das Cobras, pede licença ao comandante de seu batalhão, por um instante, para
ir pôr em segurança a sua querida irmã Henriqueta.
Henriqueta
e Henrique moravam em uma casa com frente para o mar e, por conseguinte,
exposta ao fogo inimigo. Henrique sobe apressadamente as escadas de sua casa e
encontra a sua cara irmã muito assustada. Ela lança-se nos braços de seu irmão
e oculta as suas belas faces no peito deste.
Ambos
amantes, ambos órfãos, viviam estes dois irmãos. Henrique tinha 16 anos e
Henriqueta 10 quando perderam seu pai; a vinda de Henriqueta ao mundo tinha
custado a vida à sua mãe... Infelizes!...
Henrique
sentia por esta única pessoa de sua família o amor sagrado e puro de um irmão;
amor sem tempestade e egoísmo.
–
Henrique, diz Henriqueta, eu tenho medo destes tiros!...
–
Não tenhas medo.
–
Tu queres que eu não tenha medo?! ah! mas eu não posso, eu tremo!
–
Sossega, minha cara irmã; vai ajuntar alguma roupa tua para sairmos desta casa.
–
Sim, sim eu vou... Vê, vê Henrique, aquele navio que ainda vem fazendo fogo!?
– e ela apontava para um dos navios franceses que cobriam a retaguarda da
esquadra, e que ainda não tinha lançado ferro.
–
Ele se há de cansar. Vai aprontar a tua roupa.
Henriqueta
caminhava para seu quarto, quando uma bala, atravessando a parede, passa
assobiando por diante dela.
–
Ah! Henrique!!...
Ambos
ficaram pálidos como a morte. Henrique sustém sua irmã meio desfalecida, e a
conduz para uma cadeira.
–
Minha irmã, cobra alento, não te assustes.
–
Henrique, eu tenho medo!!...
Uma
pancada forte e seca fez este voltar a cabeça, e ver ao mesmo tempo uma das
janelas, que estavam bem fechadas, fazer-se em mil pedaços, e uma bala, batendo
em sua irmã, atirá-la no chão toda ensanguentada!
–
Henrique, adeus!... (foram as últimas palavras que proferiu esta desgraçada.) E
Henrique?
Oh!
eu não posso pintar a sua desesperação. Ele levantava a sua irmã em seus
braços,
beijava
as suas faces já frias, procurava reanimá-las; dirigia preces ao céu, para que
lha restituísse; levantava os braços para a esquadra francesa em sinal de
maldição... Oh! como não devia ele sofrer!...
–
Infames assassinos! dizia ele, infames! ah eu juro pelo frio corpo de minha
irmã, de vingar-me! ah! sim, tremei!...
Henrique
não pôde por muito tempo resistir ao terrível choque, que feriu repentinamente
a mais cara afeição de sua alma, ele caiu desmaiado junto de Henriqueta.
Alguns
de seus amigos, procurando-o, acharam-no neste estado e com muito custo
conseguiram que ele recuperasse os sentidos. Henrique não deu mais uma só
palavra, porém via-se no seu olhar frio e brilhante que uma só ideia o
preocupava.
Quando
ele acompanhou o corpo de sua irmã para a sua última morada, antes que o túmulo
os separasse para sempre, chegou-se para ela, e dando-lhe um beijo, disse-lhe
com voz trêmula:
–
Henriqueta, tu serás vingada!...
D.
Francisco de Castro vendo os franceses senhores da Fortaleza da Ilha das
Cobras, retirou-se para Mata-Porcos, e de lá expedia as ordens para a defesa da
cidade.
Duguay-Trouin
lhe enviou uma nota, pedindo satisfação pela morte de Du Clerc e a entrega de
seus assassinos. D. Francisco de Castro recusou ambas as coisas, e então
começaram de novo as hostilidades.
A
noite de 21 a 22 de setembro foi uma noite de horror. Nuvens de uma cor medonha
se estendiam como um manto por todo o firmamento, e de entre as vagas do mar se
ouvia um mugido triste e sinistro. Os gritos de – alerta! bom quarto! – que os
sentinelas e marinheiros enviavam uns aos outros só interrompiam este lúgubre
silêncio.
meia
noite, o almirante francês, seguido de grande número dos seus, desce com
precaução para uma das praias que cercam a fortaleza, onde já estavam prontos
alguns lanchões, e manda embarcar a sua gente, e lhes ordena que tomem por
abordagem a esquadra portuguesa.
–
A noite está escura, diz o almirante, ela nos favorece. Marinheiros franceses,
fazei o vosso dever!
Os
lanchões partem; o almirante sobe para a fortaleza e manda apontar toda a sua
bateria para a cidade.
As
sentinelas postadas nas praias da cidade viam ao longe um rastilho luminoso,
causado pela ardentia do mar, e uma sombra negra, que os precedia; porém não
ouvindo bulha de remos, não desconfiaram ser surpresa alguma da parte dos
inimigos.
Os
franceses para melhor ocultarem a sua empresa tinham envolto os remos com pano,
e assim caminhavam silenciosamente.
A
fortuna teria coroado a sua tentativa, se um forte relâmpago não viesse mostrar
aos portugueses o perigo que os ameaçava. Os soldados gritam às armas, e uma
descarga de mosquetaria de uma das naus faz retroceder os lanchões franceses.
Foi este o sinal do combate.
As
baterias da Ilha das Cobras principiaram a fazer fogo sobre a cidade, a
esquadra seguiu o exemplo: os navios portugueses atiraram sobre os franceses,
porém sem se aproximarem, por estarem estes cobertos com a artilharia da
fortaleza. O estampido do trovão, então em todo o seu furor, a luz dos
relâmpagos, os tiros de uma numerosa artilharia e os gritos das pessoas, que
fugiam espavoridas de suas habitações, faziam um todo horrível.
Todo
o povo fugia atropeladamente para fora da cidade; a mesma guarnição abandonou
os seus postos: a noite ocultou aos franceses o abandono da cidade.
Uma
só pessoa não fugia com os outros: via-se que com infatigável vigor carregava barris
do Forte do Calabouço para sua casa: esta pessoa era Henrique.
–
Aonde vais, Henrique, gritaram os seus companheiros, que já tinham abandonado
as armas para correrem com maior presteza; aonde vais? Vem conosco; daqui a
pouco tudo estará reduzido a ruínas e cinzas; vem.
–
Não! respondeu Henrique; ainda não vinguei Henriqueta: e ele continuava no seu
porfiado trabalho.
CAPÍTULO 2
Depois
de quatro horas de um continuado fogo, Duguay-Trouin à frente dos seus
desembarca na cidade. Um silêncio de morte reinava por toda a parte! As ruas
estavam em algumas partes impraticáveis pela queda de edifícios abatidos pelas
balas. Aqui e ali viam-se cadáveres de diversas pessoas que a morte tinha
surpreendido na sua fuga.
–
Saque! Saque!! gritavam os soldados franceses.
Todo
o cuidado do almirante foi infrutífero para impedir o saque. Os soldados
corriam desenfreados pelas ruas. Um grupo deles tendo no meio Henrique
aproxima-se a Duguay-Trouin, e lhe entregam o que eles dizem prisioneiro.
–
Como te chamas? pergunta o Almirante.
–
Henrique.
–
Por que não fugiste com os teus compatriotas?
–
Porque amo os franceses; e porque sem mim eles não encontrariam um imenso
tesouro.
–
Um imenso tesouro! E onde está ele?
–
Se vós me prometeis metade, a outra é vossa; e eu também exijo que me leveis
para França.
Um
sorriso imperceptível correu pelos seus lábios.
–
Eu exijo que me acompanhe uma força de pelo menos 50 homens, pois desconfio que
haja oposição.
Duguay-Trouin
dá ordem a uma companhia que acompanhe Henrique, e recomenda todo o cuidado ao
chefe que a comanda, porém ele deixa-se ficar.
–
Não vindes, senhor? lhe diz Henrique.
–
Não, o capitão que comanda os meus é mais que suficiente para esta expedição.
Henrique viu a sua principal vítima escapar-se; mas ele levava 50 atrás de si.
Acompanhado dos soldados encaminha-se para a sua casa, depois de ter penetrado
no interior, volta-se para o capitão e diz:
–
Senhor, mandai que dois soldados guardem a porta, e que todos os outros nos
acompanhem.
–
Até aqui, replica o capitão, eu vos tenho seguido sem hesitar, porém permiti
que eu agora tome algumas precauções. Camarada, continua o capitão voltando-se
para um soldado; ficareis ao lado deste homem, e ao menor sinal de traição
cravai a vossa espada no seu coração. Agora podeis conduzir-nos.
Henrique,
tendo de um lado o capitão e do outro o soldado com a espada desembainhada, e
abrindo a porta faz ver uma grande quantidade de barris.
–
Eis-aqui o tesouro! diz ele.
O
capitão desce, e vê com espanto que todos os barris estavam cheios de pólvora.
–
Traição! Traição! gritam todos.
O
soldado que estava junto de Henrique quer atravessá-lo com a espada; porém este
saltando para cima de um barril e puxando por uma pistola diz:
–
Henriqueta eu te vingo!! e disparando a pistola para dentro de um dos barris,
comunica o fogo a esta quantidade enorme de pólvora!!
Uma
forte explosão se ouviu, e uma coluna imensa de fogo, paus e corpos humanos,
subiu até às nuvens!!! Toda a cidade tremeu.
Henrique
e os 50 homens que o acompanharam todos morreram!
Um
mês depois Duguay-Trouin partiu para França levando consigo 4 naus, 6 fragatas,
60 navios do comércio português e 600 mil cruzados; porém não gozou de todas
estas presas feitas no Brasil. Uma grande tempestade destroçou, antes de chegar
à França, grande parte da sua esquadra.
A
Providência castigou a França por ter querido invadir a América...
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