Corações
onde ressoa a música das planícies e dos desertos
A natureza de Mato Grosso assombra
pela fereza e comove pela poesia. A sua grandiosidade, deslumbra-nos os
sentidos; a sua poesia prende-nos a alma na teia versicolor da cisma.
Sondando a natureza desse Estado, com
enternecidos propósitos de surpreender, além do aspecto físico, os múltiplos
segredos que se aconchegam em seu vasto seio, conclui-se que ela, não é somente
um celeiro opulento de riquezas naturais, mas também, um maravilhoso
repositório de coisas belas, e de motivos esplêndidos para se urdir poemas de
alta emoção.
Natureza perdulária, pródiga de saúde,
pletórica de energia em que a seiva borbulha, freme, alastra-se, circula e
escorre voluptuosamente, acossada por essa ânsia amorosa de quem implora às
mercês do esforço para progredir e completar-se e às dádivas divinas da
imaginação que lhe imprima um ritmo de calor e forma que a imortalize,
integralizando-se na alma humana.
Natureza venturosa que escachoa em
rajadas de paixão entre o céu e a terra, e perpassa meiguiceiramente pela alma
sonhadora das mulheres como um cântico de esperança a embalar as doçuras
infinitas do amor.
Natureza fértil e vivaz, das florestas
agressivas, que em êxtase, ouvem, embevecidas, as confabulações dos mistérios,
os diálogos dos gênios verdes, filhos da gleba virgem e a orquestração zoinante
da Flora e o festim auroral da Fauna buliçosa e assanhada.
Natureza silente, das campinas e das
planícies esmeraldinas, intérminas e longas, onde a paciência dos bois pontilha
os horizontes e os garrotes insolentes, impulsionados pela brotoeja dos
pruridos inscientes ensaiam ingênuas bravatas, descrevendo parabólicas curvas
madrigalescas, aos olhos langorosos e feiticeiros das novilhas ariscas.
Natureza fresca e irizada, das águas
claras e sonoras que assistem ao idílio das aves, e dos volumosos rios que
beijam a terra fecunda debruçada em suas caudais e vão serpenteando e
retratando o vulto informe e brutal das montanhas e o perfil ora ramalhudo, ora
sutil e nervoso, das árvores.
Natureza espetaculosa, reboante de
alegrias, de clamores, de cicios, de gritos e gemidos, vindos do reino vegetal
que se prolonga ansiosamente até o animal, numa mescla afetiva em que todos os
sentidos dos elementos envolvidos na confederação de uma quermesse de
harmonias, açulam e adestram as forças que se expandem e concentram.
Natureza reverberante, cálida, dos
perfumes e das cores, das rarefações esmaecidas, que matizam a relva e as
alfombras, e filigranam com laivos fulvos o verde enérgico das frondes, por
onde erram perfumes ativos, perpassam e flutuam olências dormentes, numa ronda
embriagadora, trescalante, de essências que se desprendem do almíscar da Fauna
e dos aromas exalados do mistério da Flora.
Natureza dos bucolismos crepusculares,
das tardes maviosas, das manhãs joviais e das noites de ar caricioso,
propiciatório dos sonhos.
Oh! Natureza estuante de Mato Grosso!
A beleza tocante dos teus motivos emocionais, atuando sofregamente na imaginação
e na alma da raça, há de fatalmente caldear um tipo de homem bom e generoso
perante o céu e a terra, e com a sedimentação de tanta poesia será integrado no
seio do cosmos, com um coração onde há de ressoar a orquestração dos desertos,
espiritualizado e enfibrado; para afrontar os imprevistos do destino.
Natureza deslumbrante!
Do seu âmago emerge Eva
Mato-grossense, como um tipo argamassado com todas as aspirações da natureza
dadivosa e hostil, deslumbradora e feroz, suave e trágica! Filhas da volúpia!
Mulheres frementes, rubras florações de vida desabrochadas no ambiente largo e
bruto!
E nessa bruteza, Eva de candura,
transfunde um perfume de selva humanizada. Seu corpo, a orlar o cenário, é um
poema de linhas e um prolongamento da vitalidade que flutua no seio dos
elementos bravios.
ACZ
e
inicia “Eva Mato-grossense”, publicado em
AV, se pensarmos nas primeiras publicações citadas em que os textos são tomados separadamente.
Gentileza associada ao mistério da
amplidão e à poesia que desce do céu. Em ti cantam as curvas de Vênus e vibra a
alma inquieta de Yara!
Herdeira dos segredos que ciciam no
recesso sombrio das matas e do fulgor que embriaga a paisagem! Oh filha do Gigante Verde.
Mulheres que o amor transfigura em
blandícias, enchendo o coração do homem de coragem, para extorquir da natureza
feroz, as dádivas maravilhosas, que, batizadas pelo sacrifício vitorioso, vão
depois, como oferenda de sorrisos e esperanças, aureolar vossa alma de paixão.
Oh! Gentis ardores da gleba virginal!
A agrestidade estratificada e diluída
em canduras, freme em vosso seio, pulsa em vosso coração, transborda em
estendal de amavios pela vossa alma. Sois, no imo que vos circunda, a força
metamorfoseada em flor; o grito bárbaro dos elementos aveludados em beijos; o
estuar reboante das águas amaciadas em carícias; o zonzonar das árvores mudando
em cicios de desejo...
Criaturas de enlevo! Almas onde ecoa o
mistério das espessuras! Corações onde canta o hino das planícies e das
florestas. Toda a natureza, concentrada, embala-se como que debruçada na
comoção de vossas ânsias.
Prolongamentos de Yaras! Mostrais uma
capacidade de ternura que é uma volúpia que traduz o ilimitado que vos envolve
e os horizontes esquivos que beijam a fímbria reticulada dos bosques e das
paisagens desonduladas.
Por isso, a bondade, filha da
natureza, passando pelas águas murmurantes, pelo ramalhar das florestas e pelo
gorjeio das aves canoras, chega até a vossa alma divinizada, balsamizando-vos
os sentidos para a glória da Vida.
Eva Mato-grossense! Harmonia de forças
que sorriem perante os céus!
Bem haja esse teu amor desvelado!
Bem haja a tua paixão, que, sobre o
solo indomável, encerra as aspirações transbordantes da raça e a esperança de
alargar o destino da Pátria.
Cuiabá,
6 de janeiro de 1927.
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Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
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