O Sr. João
Franco foi chamado
de Coimbra, por telegrama,
para formar governo.
de Coimbra, por telegrama,
para formar governo.
(Dos jornais)
Chamado!
Tinha
ali, na mão, o telegrama que o chamava, irrecusável como uma prova material, e
ainda lhe parecia mentira.
Chamado!
Era
outra vez o poder, a autoridade, o mando. Mas agora era o poder sem partilha,
era a autoridade sem restrições, era o mando sem controle. Já pelo país
inteiro deveria ter soado o seu nome, que lhe parecia ouvir gritado por
milhares de bocas, aclamando o Redentor.
Chamado,
finalmente!...
Fora
longa a proscrição, durante a qual tivera momentos negros de desespero, sem
esperança de salvar-se — como um homem que cai ao mar, em noite de tormenta, e
vê o navio afastar-se, cada vez mais longe...
Chamado!
Sentia-se
crescer, dilatar-se, e já o país lhe parecia pequeno para conter a sua
grandeza. Dentro de algumas horas, que entretanto lhe pareciam grandes como
séculos, o telégrafo faria saber ao mundo que ele fora chamado, e talvez que
num momento preciso, em toda a redondeza do globo, fosse ele o alvo de todas as
atenções, invejado por estadistas de todos os países.
O
Poder!
Seria
econômico e liberal; sem deixar de ser rígido, procuraria ser generoso.
Revogaria todas as leis más, e porque muito sofrerá no exílio, sentia-se tomado
de uma enorme piedade por todas as vítimas da lei, por quantos sofrem
injustiças.
A
liberdade!
Nunca
tinha pensado nisso. Ela aparecia-lhe agora, na escandência do seu cérebro,
como a visão dum mundo novo, feito de luz e de sonho, estonteante como um vinho
generoso, que se apetece, irresistível como uma bela mulher, que se deseja.
O
Poder! A autoridade! O mando!
Fecharam-se-lhe
os olhos, como numa embriaguez de sono, segurando na mão, com força, o
telegrama que o chamava.
Adormeceu.
Quando
o comboio entrou na gare, já lento, mal se arrastando, a gente que a
enchia desatou aos gritos de saudação, mal distintos, quase inarticulados, como
são as vozes da multidão incoerente.
Acordou
em sobressalto, estremunhado, e como ouvisse aqueles gritos, e visse aquela
turba, fora de si, numa alucinação do Poder sem partilhas, da autoridade sem restrições,
do mando sem controle, enfiando a cabeça pela ¡anela, engrossando muito
a voz, imperiosa como num campo de batalha, gritou por sobre aquele mar de
cabeças— Tudo para Timor! Tudo para Timor!
Acordara
ao mesmo tempo — o passageiro e o tiranete.
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Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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