Chapéu
Verde!
(Tentativa perversa de conto)
(Tentativa perversa de conto)
Poderia começar este conto, para armar
a efeito, de um modo um tanto romântico, em vista de ser esta escola uma coisa
tão apreciada no Brasil. Não querendo invadir a seara de Marinetti, não me
posso furtar à fascinação de emprestar a este conto truncado uns laivos
azul-ferrete de futurismo.
A história é complicada, como são
todas as histórias em que os personagens de caracteres imprecisos fogem à ótica
focalizadora da análise; é complicada, mas vou contá-la de um modo mais simples
possível, pondo de lado a corja indiscreta dos adjetivos agudos e verrumantes.
Para a boa execução desta tarefa, sinto não ter um estilo aguado de jornalista
manque, ou repórter que, à força de escrever mal, aprendeu a narrar fatos
policiais com uma tal ou qual perícia.
Ele, ou por outra, o personagem desta
tentativa de conto, vive em toda a parte, no Rio, e até mesmo em São Paulo.
Ela, personagem pivot, é neta
legítima de Messalina, e vem conspirando contra todas as leis do deplasmamento
psicológico através dos séculos, trazendo no sangue a mesma morbidez luxuriosa
da esposa de Claudio, o infeliz imperador romano que gostava de ornamentar a
sua casa com pequenas estatuetas do chifrudo touro Ápis, que para ele eram mais
um símbolo, uma alusão direta à sua própria vida, do que mesmo objetos de arte.
Ele, ambiciosíssimo, quando se
libertou do período pubertário das rajadas românticas, aproximou-se, como gato
sorna, d’Ela, que morava na mesma cidade, e, se não me falha a memória, na
mesma rua. Sapeqinha a valer; conhecia já o tato digitálico de uma aluvião de
noivos e namorados. Tudo isto, porém, não lhe abalou a reputação de moça séria,
educada nos mais austeros princípios emanados do seio tradicional da sua
religiosa a família.
E o ambicioso, sabendo tudo isto, fez
ouvido de mercador, e tratou quanto antes de se despencar nas boas graças da
meninota, e um belo dia, desses belos duas que marcam uma época na vida de um
homem, catrapus, casaram-se que foi um gosto!
Não conheciam nenhum entrecho de
novela francesa, dessas que o assunto é todo um baile em torno de uma cama... mas, assim mesmo, tanto pelo
indiferentismo d’Ele, como pelas exigências, etc., etc., etc., d’Ela, acharam
que era moderno, e até mesmo cômodo, transformar o lar num ménage à trois!
E sem se darem por achados, viveram
assim muito tempo, até chegarem aos nossos dias.
Ela sempre pompeando, à sombra do
contrato social do casamento, o seu messalinismo de potranca árdega. Ele, que
alguns murmuravam em surdina, chamando-o de coitadinho,
sentia-se bem, porque o seu fim único na vida não era, como não foi, encontrar
a felicidade no casamento, mas sim, dar expansões a toda a sua eloquente e
feroz ambição que gania no seu fundo de homem-rotina, que anda em pé graças às
leis do equilíbrio, porque a sua verdadeira posição deveria ser outra bem
diferente...
O povo murmurava em cochicheios
maliciosos, fazendo mil e uma suposições a respeito da honestidade d’Ela e o
sobrecarregado frontispício d’Ele.
Insensível, porém, a todos os
falatórios e parolagens de esquinas e reuniões, o homenzinho ia triunfando,
galgando alturas e mais alturas nas diversas esferas sociais, como sejam
jornalismo, política, literatura e outras tantas aspirações que guardava
sopitadas, à espera da oportunidade mais imediata e viável.
De João Ninguém passou a ser um João
Muita Coisa!
A mulher somente sabia que o seu
marido vivia, quando à noite, nesse aconchego lamecha do lar, Ele, entre
medroso e hesitante, chamava absurdamente de filha a Lirys, criancinha que
recebera na pia batismal o seu nome.
Somente um indivíduo dotado de alma
audaciosa, que fazia trocadilhos e piadas perversas num jornal que havia na
cidade, atreveu-se a fazer de uma feita uma piada alusiva ao nosso homenzinho,
que por cúmulo do caiporismo tinha predileção pelos chapéus verdes.
E o engraçado exclamou de uma esquina,
quando ele passava: — “Chapéu verde! Esperança de aumentar ainda mais a
substância córnea que prolifera, de parceria com os cabelos, no frontispício do
homem que não se importa com a vida de sua mulher...”.
Os que ouviram a deliciosa piada riram
gostosamente; somente Ele, já por cima na vida, e com todas as suas ambições
satisfeitas, passou pisando firme, sem esboçar sequer um furtivo sorriso.
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