Carta aos
eleitores do Círculo de Sintra
Senhores eleitores do círculo eleitoral de Sintra. —
Acabais de me dar uma demonstração de confiança, escolhendo-me para vosso
procurador no parlamento: sinto que me não seja permitido aceitá-la.
Se tal escolha não foi um daquelas inspirações que vem
ao mesmo tempo ao espírito do grande número, o que é altamente improvável,
porque o meu nome deve ser desconhecido para muitos de vós; se alguém, se
pessoas preponderantes nesse círculo, pelo conceito que vos merecem, vos
apresentaram a minha candidatura, andaram menos prudentemente, fazendo-o sem me
consultarem, e promovendo uma eleição inútil.
Há anos que os eleitores de um círculo da Beira, na
sua muita benevolência para comigo, pretenderam fazer-me a honra que me
fizestes agora. Um deles, um dos mais nobres, mais puros e mais inteligentes
caracteres dos muitos que conheço, sumidos, esquecidos, nessa vasta granja da
capital chamada — as províncias, encarregou-se de vir a Lisboa consultar-me.
Respondi-lhe como a consciência me disse que lhe devia responder, e o meu nome
foi posto de parte. De Sintra a Lisboa é mais perto, e a comunicação mais fácil,
do que dos remotos e quase impérvios sertões da Beira.
Duas vezes nos comícios populares, muitas na imprensa
tenho manifestado a minha íntima convicção de que nenhum círculo eleitoral deve
escolher para seu representante indivíduo que lhe não pertença; que por larga
experiência não tenha conhecido as suas necessidades e misérias, os seus
recursos e esperanças; que não tenha com os que o elegerem comunidade de
interesses, interesses que variam, que se modificam, e até se contradizem, de
província para província, de distrito para distrito, e às vezes de concelho
para concelho. Esta doutrina, posto que tenha vantagens no presente, reputo-a
sobretudo importante pelo seu alcance, pelos seus resultados em relação ao
futuro. É, no meu modo de ver, o ponto de Arquimedes, um fulcro de alavanca,
dado o qual, as gerações que vierem depois de nós puderam lançar a sociedade
num molde mais português e mais sensato do que o atual, inutilizando as cópias,
ao mesmo tempo servis e bastardas, de instituições peregrinas, que em meio
século tem dado sobejas provas na sua terra natal do que podem e do que valem
para manterem a paz e a ordem públicas, e mais que tudo uma honesta liberdade.
Durante meses, no decurso de dois anos, tive devagar
pelos distritos centrais e setentrionais do reino. Pude então observar
amplamente quantas misérias, quanto abandono, quantos vexames pesam sobre os
habitantes das províncias, principalmente dos distritos rurais, como o vosso,
que constituem a grande maioria do país. Vi com dor e tristeza definhados e
moribundos os restos das instituições municipais que o absolutismo nos deixara:
vi com indignação essas solenes mentiras a que impiamente chamamos a
agricultura, a verdadeira indústria de Portugal, lidando inutilmente por
desenvolver-se no meio da insuficiência dos seus recursos; vi, em resultado dos
erros econômicos que pululam na nossa legislação, a má organização da
propriedade territorial e a desigualdade espantosa na distribuição das
populações rurais, procedida da mesma origem, e dando-nos ao sul do reino uma
imagem das solidões sertanejas das América, e ao norte uma Irlanda em
perspectiva: vi a injusta repartição e a pior aplicação dos tributos e
encargos: vi a falta de segurança pessoa e real, especialmente nos campos, onde
o homem é obrigado a confiar só em si e em Deus para a obter: vi um sistema
administrativo mau por si e péssimo em relação a Portugal, com uma jerarquia de
funcionários e uma distribuição de funções que tornam remotas, complicadas,
gravosas, e até impossíveis, a administração e a justiça para as classes
populares, e incômodas e espoliadoras para as altas classes: vi, sobretudo, a
falta da vida pública, a concentração do homem na vida individual e de Família,
que é ao mesmo tempo causa e efeito da decadência dos povos que se dizem
livres: vi todos esperarem e temerem tudo do governo central; confiarem nele,
como se fosse a Providência; maldizerem-no, como se fosse o princípio mau:
ideias completamente falsas, posto que bem desculpáveis num país de centralização;
ideias que significam uma abdicação tremenda da consciência de cidadão, e da
atividade humana, e que são o sintoma infalível de que os males públicos
procedem, não da vontade deste ou daquele indivíduo, da índole particular desta
ou daquela instituição, mas sim do estado moral da sociedade e da índole em
geral da sua organização.
E isto que vi perspicazmente, apesar de uma observação
transitória, veem-no todos os dias, palpam-no, e, o que mais é, padecem-no
centenares de homens honestos e inteligentes que vivem obscuramente por essas
vilas e aldeias de Portugal. Como os seus vizinhos, eles são vítimas da nossa
absurda organização; disso a que por antífrase chamamos administração e
governo. É entre tais homens que os círculos deveriam escolher os seus
representantes: é entre eles que os escolheram por certo no dia em que
compreenderem que o direito eleitoral é uma espada de dois gumes com que os
cidadãos estão armados para se defenderem a si e a seus filhos, mas com que
também podem assassinar-se e assassiná-los. Foi o que disse a todos aqueles, e
não foram poucos, que durante a minha peregrinação pareceram confiar, senão no
valor das minhas opiniões, ao menos na sinceridade delas. Interrogado acerca do
lenitivo que supunha possível para os males que presenciava, indiquei sempre,
não como remédio definitivo, mas como preparação para ele, como instrumentos de
uma reforma futura, a eleição exclusivamente local e os esforços constantes
para obter, contra o interesse das facções, dos partidos e dos governos, a
redução dos grandes círculos a círculos de eleição singular, que um dia possam
servir à restauração da vida municipal, da expressão verdadeira da vida pública
do país, e de garantia da descentralização administrativa, como a
descentralização administrativa é a garantia da liberdade real.
Fortes tendências para a eleição da localidade se
manifestam já por muitas partes, e os governos e as parcialidades veem-se
constrangidos a transigir com esse instinto salvador. Se não me é lícito gloriar-me
de ter contribuído para ele se desenvolver, ser-me-á lícito, ao menos,
aplaudi-lo. É o primeiro passo dado no caminho do verdadeiro progresso social:
cumpre não recuar.
Mas, pensando assim, como poderia eu, sem desmentir a
minha consciência e as minhas palavras; sem trair a verdade, sem vos trair a
vós próprios, aceitar em silêncio o vosso mandato? É honroso merecer a
confiança dos nossos concidadãos, mas é mais honroso viver e morrer honrado.
Não haverá no meio de vós um proprietário, um
lavrador, um advogado, um comerciante, qualquer indivíduo, que, ligado convosco
por interesses e padecimentos comuns, tenha pensado na solução das questões
sociais, administrativas e econômicas que vos importam; um homem de cuja
probidade e bom juízo o trato de muitos anos vos tenha certificado? Há, sem dúvida.
Porque, pois, não haveis de escolhê-lo para vosso mandatário?
Os que não veem como eu nesta ideia da representação exclusivamente
local o primeiro elo de uma cadeia de transformações, que serão ao mesmo tempo
administrativas e políticas, podem, sem desdouro, não só aceitar, mas até
solicitar os vossos votos. Ninguém deve aferir os seus atos livres senão pelas
próprias opiniões, pelas doutrinas que tem propugnado. Aferir pelas minhas
ideias o meu proceder é o que unicamente faço.
Recusando o vosso favor, nem por isso vo-lo agradeço
menos; e a prova é que vo-lo retribuo com estes conselhos, que não serão bons,
mas que evidentemente são desinteressados. Da confiança que mostrastes ter em
mim deriva o meu direito a dar-vo-los.
Aconselho-vos, como acabais de ver, uma coisa para a
qual os estadistas de profissão olham com supremo desprezo, a eleição de campanário,
só a eleição de campanário, a eleição de campanário, permiti-me a expressão,
até a ferocidade.
Não sei se podereis sofrer o afrontoso ridículo que
anda associado à doutrina que vos inculco. Eu posso. Em mim este alto esforço é
o hábito que resulta do longo trato. A aguda e graciosa invectiva de deputado
de campanário tem cãs veneráveis. Conheço-a há muitos anos. Além dos Pireneus
andava já em serviço dos ambiciosos, dos oficiais de política há bem meio
século. Os nossos Políticos encartados traduziram-na para seu uso. É que, assim
como traduzem leis, traduzem o mais, posto que, se me é lícito dizê-lo, o façam
mal, muito mal, de ordinário.
Indubitavelmente este país trasborda de homens
grandes, de profundos estadistas. Aqui o estadista nasce, como nasce o poeta:
precede a escola: dispensa-a, até. Sou o primeiro em confessá-lo. E a paixão
dos homens grandes, dos profundos estadistas, é a salvação da Pátria: é a sua
vocação, o seu destino, a sua suprema felicidade. Esses varões ilustres
pertencem, porém, ao país: é do país que devem ser deputados. Entendem-no eles
assim, e parece-me que entendem bem. Em tal caso, eleja-os o país. Quando algum
vos mendigar de porta em porta, e com o chapéu na mão, os vossos votos,
respondei-lhe, como os eleitores dos diversos círculos do reino lhe
responderiam, se o são juízo fosse uma coisa desmesuradamente vulgar:
"Somos uma pobre gente, que apenas conhecemos as
nossas necessidades, e queremos por mandatário quem também as conheça e que
nelas tenha parte; quem seja verdadeiro intérprete dos nossos desejos, das
nossas esperanças, dos nossos agravos. Se os deputados dos outros círculos
procederem de uma escolha análoga, entendemos que as opiniões triunfantes no
parlamento representarão a satisfação dos desejos, o complemento das
esperanças, a reparação dos agravos da verdadeira maioria nacional, sem que
isto obste a que se atenda aos interesses da minoria, que aí se acharão representados
e defendidos como se representa e defende uma causa própria. Na vulgaridade da
nossa inteligência, custa-nos a abandonar as superstições do nossos pais:
cremos ainda na aritmética, e que o país não é senão a soma das localidades.
Homem do absoluto, das vastas concepções, se a vossa abnegação chega ao ponto
de solicitar a deputação do campanário, fazei com que vos elejam aqueles que
vos conhecem de perto, que podem apreciar as vossas virtudes, o vosso caráter.
Certamente vós habitais nalguma parte. Se não quereis abater-vos tanto,
arredai-vos da sombra do nosso presbitério, que ofusca o brilho do vosso grande
nome. Sede, como é razão que sejais, deputado do país. Não temos para vos dar
senão um mandato de campanário."
A resposta dos eleitores aos estadistas parece-me que
deveria ser esta.
A eleição de campanário é o sintoma e o preambulo de
uma reação descentralizadora, a descentralização é a condição impreterível da
administração do país pelo país, e a administração do país pelo país é a
realização material, palpável, efetiva da liberdade na sua plenitude, sem
anarquia, sem revoluções, de que não vem quase nunca senão mal. Para obter este
resultado, é necessário começar pelo princípio; é necessário que a vida pública
renasça.
Na verdade, a doutrina de que o excesso de ação
administrativa, hoje acumulada, deve derivar em grande parte do centro para a
circunferência repugna aos partidos, e irrita-os. Sei isso, e sei porque. Os
partidos, sejam quais forem as suas opiniões ou seus interesses, ganham sempre com
a centralização. Se não lhes dá maior número de probabilidades de vencimento
nas lutas do poder, concentra-as num ponto, simplifica-as, e obtido o poder, a
centralização é o grande meio de o conservarem. Nunca esperem dos partidos
essas tendências. Seria o suicídio. Daí vem a sua incompetência, a nenhuma
autoridade do seu voto nesta matéria. É preciso que o país da realidade, o país
dos casais, das aldeias, das vilas, das cidades, das províncias acabe com o
país nominal, inventado nas secretarias, nos quartéis, nos clubes, nos jornais,
e constituído pelas diversas camadas do funcionalismo que é, e do funcionalismo
que quer e que há de ser.
A centralização tem ido até as saturnais. A jerarquia
administrativa chegou já, por exemplo, a arrogar-se o direito de declarar
suspensas ou em vigor as leis civis e criminais do reino e a ação dos
tribunais. Lede o artigo 357º do código administrativo e
estudai a sua jurisprudência, que haveis de ficar edificados. Vede se algum
governo, se algum grande estadista, saído de qualquer parte, propôs a sua
revogação. Não o espereis jamais.
O poder que pela imunidade do funcionário criminoso,
que pelo monopólio na distribuição de todas as funções retribuídas, que pela
monstruosa invenção do contencioso administrativo, que pelas mais ou menos disfarçadas
ditaduras, cuja necessidade ele mesmo cria, que por mil concessões arrancadas à
fraqueza ou à condescendência parlamentar, acha grandes facilidades para
penetrar na esfera dos outros poderes, deve ir longe na própria esfera. E vai.
Quereis encontrar o governo central? Do berço à cova
encontrá-lo por todas as fases da vossa vida, raramente para vos proteger, de
contínuo para vos incomodar. Nada, a bem dizer, se mover na vida coletiva do
povo, que não venha de cima o impulso, ou que pelo menos o governo se não
associe a esse impulso. Entrai, por exemplo, no presbitério da primeira aldeia
que topardes. Vereis aí um homem enchendo a pia da água benta, apagando ou
acendendo as velas, arrumando os cereais. É o governo central. O sacristão,
exornado com o título pomposo de tesoureiro, é seu funcionário; é a mão dele
estendida até o gavetão das vestimentas. Esse personagem tem carta pela
secretaria de estado.
Isto é impossível que seja racional, sensato. Essa
imensa tutela de milhões de homens por seis ou sete homens é forçosamente
absurda. Deve haver um dia em que a sociedade, como os indivíduos, chegue à
maioridade.
Não receeis que a descentralização seja a desgregação.
O governo central há de e deve ter sempre uma ação poderosa na administração
pública; há de e deve cingi-la; mas cumpre restringir-lhe a esfera dentro de
justos limites, e os seus justos limites são aqueles em que a razão pública e
as demonstrações da experiência provarem que a sua ação é inevitável. O âmbito
desta não deve dilatar-se mais.
A centralização, na cópia portuguesa, como hoje existe
e como a sofremos, é o fidei-comisso
legado pelo absolutismo aos governos representativos, mas enriquecido,
exagerado; é, desculpai-me a frase, o absolutismo liberal. A diferença está
nisto: dantes os frutos que dá o predomínio da centralização supunha-se
colhê-los um homem chamado rei: hoje colhem-nos seis ou sete homens chamados
ministros. Dantes os cortesãos repartiam entre si esses frutos, e diziam ao rei
que tudo era dele e para ele: hoje os ministros reservam-nos para si ou
distribuem-nos pelos que lhes servem de voz, de braços, de mãos; pelo partido
que os defende, e dizem depois que tudo é do país, pelo país, e para o país. E
não mentem. O país de que falam é o seu país nominal; é a sua clientela, o seu
funcionalismo; é o próprio governo; é a tradução moderna da frase de Luís
XIV l'état cest moi, menos a sinceridade.
Não acuso alguém em particular; descrevo um fato
geral; não sirvo, nem combato nenhum partido: pago-vos com a franqueza um pouco
rude da minha linguagem a vossa benevolência. Se acusasse, acusava-me também a
mim, e talvez a vós. Ninguém está acima das paixões, dos preconceitos, das
fórmulas, da índole da sua época. Nem sequer, e muito é, os estadistas o estão,
se me é concedido avaliar essas altas capacidades. A carne é fraca. Sejam quais
forem as nossas aspirações, as nossas teorias, e se quiserem, os nossos sonhos
quanto ao futuro, vivemos no presente, e quando não nos abstemos da política,
enfileiramo-nos nos partidos, às vezes, até, sem o querermos, sem o sabermos.
Como tive a honra de vos fazer notar, a questão da liberdade na sua plenitude e
na sua existência real está fora, ou antes, acima dos partidos. Se, conforme
creio, a eleição na qual quisestes que eu tivesse uma parte honorifica
manifesta as vossas propensões para manter o ministério atual, não se deduz do
que vos digo a necessidade de mostrar propensões contrarias. Por ora não se
trata senão de adotar um princípio, uma regra, cujas consequências verdadeiramente
importantes virão mais tarde. Não importa, em relação a essas consequências,
que escolhais neste ou naquele partido: o que importa é que escolhais dentre
vós; o que importa é que os círculos rurais não obriguem algum homem grande a
consumir dez minutos em procurar no mapa do reino a situação relativa do
distrito que representa, e muitas horas em soletrar os nomes romanos, góticos,
mouriscos, bárbaros, que nesse mapa designam rios, montes, lugarejos, aldeias, freguesias,
concelhos, em que nunca ouviu falar. Pelos recostos das vossas pitorescas montanhas, pelos vossos vales frondosos, pelas quintas e granjas mais remotas,
no campo ou nas povoações, deve habitar algum amigo de ministério que mereça os
vossos votos. Dai-lhos, se entendeis que os homens que estão no poder são menos
maus do que os seus adversários.
Não me consentindo a brevidade do tempo e a urgência
de outras ocupações expor-vos todos os motivos por que dou tanta importância à
doutrina eleitoral que submeto à vossa consideração, não tenho direito a
insistir em que a sigais com a inabalável firmeza com que intimamente creio que
a deveríeis seguir. Nessa hipótese, se vos apresentarem candidaturas de
indivíduos estranhos ao vosso círculo, cujo caráter não possais avaliar por vós
mesmos, consenti em que vos lembre um arbítrio para não serdes ludibriados.
Consultai aqueles que pessoalmente os conhecerem, mas só aqueles, que, pagando
tributos, e não desfrutando-os, viverem no meio de vós há longos anos do
produto do seu trabalho ou da sua propriedade, e que gozarem de sólida
reputação de inteligência e de probidade. Como homens de bem, e como tendo
interesses análogos aos vossos e confundidos com os vossos, eles não podem
enganar-vos. Escolhei o que eles escolherem; rejeitai o que eles rejeitarem. Vença
qual partido vencer, tereis ao menos um procurador honesto; porque todos os
partidos têm no seu seio gente honrada. Escusado é dizer-vos o que nisso haveis
de ganhar.
Depois, quando alguém, que acidentalmente se ache no
meio de vós, sem casa, sem bens, sem Família, sem indústria destinada a aumentar
com vantagem própria a riqueza comum, e só porque o seu talher na mesa do
tributo ficou posto para esse lado, se mostrar demasiado solícito em nobilitar
o vosso voto pela escolha de algum célebre estadista, em que nunca talvez
ouvistes falar, ou em livrar-vos de elegerdes algum mau cidadão, cujas
malfeitorias escutais da sua boca pela primeira vez, voltai-lhe as costas.
Padre, militar, magistrado, funcionário civil, seja quem for, esse homem que
tanto se agita, aflito pela vossa honra eleitoral, pelos vossos acertos ou
desacertos Políticos, pode ser um partidário ardente e desinteressado; mas é
mais provável que seja um hipócrita, um miserável, que já tenha na algibeira o
preço do vosso ludibrio, ou que, por serviços abjetos, espere obter, ou dos que
são governo, ou dos que querem fazer o imenso sacrifício de o serem, a
realização de ambições que a consciência lhe não legítima, e acerca das quais
só podeis saber uma coisa: é que as haveis de pagar.
Permiti-me, senhores eleitores, que termine esta
carta, já demasiado extensa, reiterando-vos os protestos da minha gratidão pela
vossa bondade para comigo, e assegurando-vos que, se me falece ambição para
aceitar os vossos votos contradizendo as minhas opiniões, sobeja-me avareza
para buscar não perder jamais um ceitil da vossa estima.
---
ALEXANDRE HERCULANO
Escrito em 1858, e publicado
em: Opúsculos, 1909.
Pesquisa e adequação
ortográfica: Iba Mendes (2019).
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