Caixa Municipal
de Socorros Agrícolas
Artigo 1º — É instituído no concelho de Belém um fundo
permanente com a denominação de Caixa Municipal de Socorros Agrícolas. O seu
destino é subministrar capitais baratos aos cultivadores para os amanhos
rurais.
Artigo 2º — O fundo desta Caixa formar-se-á com três
quartos do produto do atual imposto de 20 reis em cada alqueire de farinha fabricada,
até completar a soma de 35:000$000 reis.
§ único — A câmara poderá substituir o dito imposto
por outro qualquer, uma vez que o seu produto seja pelo menos equivalente ao
dos mesmos três quartos do atual. Se a câmara, porém, distrair estes do fim a
que são destinados, ou suprimir o imposto sem o substituir, antes de se
completar o fundo, embora com aprovação do Conselho de Distrito, os vereadores
ficarão responsáveis por seus bens ao complemento dele.
Artigo 3º — A administração superior da Caixa incumbe
a uma direção composta do presidente da câmara, que será o presidente da
direção, do fiscal, e de um vogal eleito pelos cinco membros restantes da câmara
dentre si.
Artigo 4º — A Caixa emprestará aos cultivadores do
concelho, por prazos que nunca excederam a um ano, e a juro de 1/4 por cento ao
mês, o capital necessário para o movimento da cultura anual dos respectivos prédios,
pela totalidade da soma existente em Caixa até ao complemento do fundo criado,
e daí avante pelo total do mesmo fundo, o qual por nenhum pretexto poderá ter
outra aplicação, que não seja a de empréstimos anuais aos cultivadores.
Artigo 5º — Haverá um registro, numerado e rubricado
em todas as folhas pelos membros da direção, de todos os cultivadores do
concelho.
Artigo 6º — Os ditos cultivadores serão designados em
duas categorias: 1ª — lavradores; 2ª — fazendeiros.
§ 1º — Entende-se por lavrador o cultivador de
cereais, e por fazendeiro o vinhateiro, o pomareiro e o que cumulativamente
cultiva vinhas e pomares.
§ 2º — Quando o granjeio do cultivador abranger ambas
as categorias, o mesmo cultivador será classificado conforme a importância
relativa desse granjeio em cada uma delas.
Artigo 7º — Abrir-se-á um título a cada um dos
cultivadores do concelho, contendo o seu nome, a natureza e condições da
cultura, que determinaram a sua categoria, e bem assim a verba do produto
líquido ordinário da mesma cultura, à vista da última quota do tributo geral
direto, em que o cultivador tiver sido tributado. A administração, porém, da
Caixa recorrerá às informações que julgar oportunas para verificar a exação da
verba, que todavia nunca poderá ser superior à que corresponde a quota do
tributo direto.
Artigo 8º —A soma mutuada por cada cultivador, nunca
poderá exceder a três quartos da sua renda líquida averbada no registro.
Artigo 9º — Serão hipoteca especial do empréstimo os
frutos do ano corrente, produzidos no prédio ou prédios cultivados pelo mutuário,
e na falta destes os dos anos imediatos até o reembolso da dívida.
Artigo 10º — Os empréstimos far-se-ão durante o
decurso dos meses de fevereiro a julho de cada ano, por uma vez na importância
de três quartos da renda líquida do mutuário, ou por duas vezes em duas
parcelas iguais, que completem os ditos três quartos, ou apenas por um terço da
renda líquida do mesmo mutuário, tudo a arbítrio deste.
Artigo 11º — Haverá um livro de talão, chamado do
registro anual dos empréstimos, numerado e rubricado em todas as folhas pelos
membros da direção da Caixa, onde se registarão as ementas dos mesmos
empréstimos. Estas ementas, que conterão um número de ordem, o nome do mutuário
e a quantia por que fica devedor, serão escritas, datadas e sobescritas pelo
administrador da Caixa e assinadas pelos mutuários ou por outra pessoa a seu
rogo, e por uma testemunha quando o mutuário não souber escrever. No talão
escrever-se-á o número de ordem, a quantia mutuada e data da transação.
§ 1º — Cada uma das ementas feitas da maneira
determinada no precedente artigo, será lançada numa folha separadamente.
§ 2º — As certidões passadas do livro das ementas pelo
administrador da Caixa, e referendadas pelos membros da comissão e pelo
administrador do concelho, terão para os efeitos legais o valor de uma
escritura pública de dívida.
§ 3º v O exame do registro anual dos empréstimos é
vedado a todas as pessoas estranhas à administração da Caixa, salvo ao
administrador do concelho.
§ 4º — Na escrituração da Caixa de Socorros o número
de ordem substituirá sempre o nome do mutuário.
Artigo 12º — No fim do ano, ou antes se os
cultivadores o quiserem, verificar-se-á o reembolso da Caixa, capital e juro,
devendo esse reembolso estar realizado dentro do mês de janeiro imediato.
Entregar-se-á a cada mutuário como quitação a ementa ou ementas, que lhe forem
relativas cortadas dos respectivos talões.
Artigo 13º — A ação e direito da Caixa de Socorros
terá a preferência a outra qualquer ação e direito particular, sobre os frutos
do ano em que foi contraído o empréstimo. Excetua-se a ação da fazenda pública
pelos impostos devidos.
Artigo 14º — Ninguém poderá levantar por título de compra,
troca, cessão ou outro qualquer contrato, os frutos do prédio rústico
cultivados pelos indivíduos designados nos artigos 5º e 6º, sem que o
cultivador lhe apresente certidão do estado da sua conta com a Caixa de
Socorros.
§ 1º — Estas certidões serão rubricadas pelos membros
da direção da Caixa, e passadas gratuitamente pelo administrador da mesma, e só
ao cultivador interessado. Se a certidão declarar este em dívida, o comprador
dos frutos será obrigado a entrar na Caixa com a importância, capital e juro,
da dita dívida, pagando ao cultivador a soma correspondente a essa importância
com o recibo respectivo. Se não cumprir o disposto neste artigo, ficará
responsável pela dívida, capital e juro.
§ 2º — Se o contrato de compra ou de outra qualquer
espécie, e o levantamento dos frutos tiver sido feito ocultamente, aquele que
houver feito o contrato ou recebido os frutos, ficará não só responsável pela
dívida, capital e juro, mas também sujeito a uma multa de 20 por cento da mesma
dívida para o oficial da câmara ou da administração, que descobrir o fato, ou
para outro qualquer indivíduo que venha denunciá-lo à direção da Caixa.
§ 3º — Se o cultivador tiver vendido os frutos a
comprador transeunte e desconhecido, sendo por este levantados os mesmos
frutos, ficará o dito cultivador incurso no crime de burla, e sujeito às penas
das leis.
§ 4º — Aos cultivadores do concelho, que não houverem
recebido empréstimos da Caixa, enviar-se-á a certidão corrente nesse ano até ao
dia 30 de agosto, embora eles não a hajam anteriormente exigido.
Artigo 15º — Os cultivadores que mudarem de prédio
serão obrigados a dar aviso à administração da Caixa, e a declarar a
importância do seu novo granjeio e do rendimento líquido dele. Os que não o
fizerem, ficarão inabilitados por dois anos para receber empréstimos da Caixa.
Artigo 16º — Todos os anos, depois de concluído o
lançamento dos tributos gerais diretos, o administrador do concelho comunicará
à direção da Caixa as alterações que houverem ocorrido nas respectivas quotas
de repartição, em relação aos cultivadores do concelho. Dadas essas alterações,
mudar-se-á no registro a verba, até a qual pode subir o empréstimo ao
respectivo cultivador.
Artigo 17º — Acontecendo que o total das verbas
pedidas pelos cultivadores exceda os recursos da Caixa, a preferência será dada
em razão ascendente da menor renda líquida para a maior.
Artigo 18º — Se qualquer cultivador do concelho for
eleito vereador não poderá, enquanto exercer esse cargo, ser mutuário
de soma alguma havida da Caixa de Socorros Agrícolas.
Artigo 19º — A nenhum dos mutuários individualmente
poderá a administração da Caixa espaçar o prazo fatal do reembolso no fim do
ano. Quando por motivo de escassez das colheitas, ou de outra calamidade
pública, se reputar necessária a concessão de mora, a câmara resolverá essa
concessão, e fundamentando-a a oferecerá à sanção do Conselho de Distrito.
Sendo por este aprovada, gozarão do benefício da mora todos os mutuários que
dela quiserem aproveitar-se. Se a câmara, porém entender que as circunstâncias
aconselham que se faca a dita concessão, ou só à classe dos cultivadores de
cereais, ou só à dos fazendeiros, conceder-se-á a essa classe a mora especial
com aprovação do Conselho de Distrito, sob a mesma condição de nunca ser
individual.
§ 1º — A mora entende-se em todo o caso para o
capital; o juro será pago no prazo prefixo.
§ 2º — O pagamento da dívida não poderá ser exigido
nos anos subsequentes, senão pela décima parte da renda líquida do cultivador,
que se calculará com abatimento da mesma décima parte para o efeito de novos
empréstimos.
§ 3º — São hipotecas desta dívida os bens de raiz do
cultivador-proprietário, e os do cultivador-rendeiro, se os tiver. Se este não
os tiver, sê-lo-ão os seus bens móveis e semoventes, sendo além disso obrigado
a dar fiador idôneo à dívida.
§ 4º — Estas dívidas não venceram juro, e a ação e
direito da Caixa para as cobrar serão os mesmos da fazenda pública.
Artigo 20º — Para suprir até onde for possível o
desfalque do fundo pala mora, dada a hipótese do artigo antecedente, a Caixa
tomará um empréstimo dentro das seguintes limitações:
1º — O total do empréstimo será equivalente ao capital
representado por dois terços do rendimento líquido da Caixa, considerados como
juro, os quais efetivamente ficarão aplicados ao pagamento do juro do
empréstimo.
2º — O terço restante do rendimento líquido ficará
destinado à amortização, bem como o remanescente anual dos dois terços
aplicados para o pagamento do juro.
3º — A câmara, sobre proposta da direção, submeterá o
contrato do empréstimo à sanção legal, na forma do artigo 103º do Código
Administrativo.
Artigo 21º — Os membros da direção da Caixa serão responsáveis
pelos atos da sua gerência, remetendo anualmente até o mês de março uma conta
especificada das transações operadas no ano anterior, para o Conselho de
Distrito examinar se a lei foi cumprida, e impor a responsabilidade à direção.
Artigo 22º— Haverá um administrador com o vencimento
anual de 300$000 reis, a quem pertencerá o meneio de todos os negócios da Caixa
que lhe forem incumbidos pelo respectivo regulamento. Os zeladores da câmara
servirão por turno de contínuos, e o procurador da mesma câmara servirá de
agente forense, mediante uma gratificação anual arbitrada pela câmara, e
aprovada pelo Conselho de Distrito, a qual nunca excederá a 20$000 reis. Quando
trabalhos extraordinários o exigirem, a direção requisitará da câmara o serviço
de um ou mais amanuenses da secretaria da mesma câmara.
Artigo 23º — O administrador da Caixa será nomeado
pela câmara, que lhe exigirá fiança idônea no valor de 3:000$000 reis; só,
porém, poderá ser demitido por uma resolução do Conselho de Distrito, sobre
proposta da direção, aprovado pela câmara, a qual aliás o pode suspender,
havendo para isso proposta da direção.
Artigo 24º — Os vencimentos acima referidos e mais despesas
da Caixa serão pagos pelo seu rendimento e enquanto este para isso não chegar,
será completada a soma total da despesa pelo cofre da câmara.
Artigo 25º — O rendimento da Caixa, deduzidas as despesas
da sua gerência, e fora do caso previsto no artigo 20º, será exclusivamente
aplicado, a arbítrio da câmara, aos seguintes objetos: 1º à manutenção das
escolas primárias municipais de 1º ou de 2º grau; 2º à compra de sementes, cuja
introdução se repute útil, para serem gratuitamente distribuídas aos
cultivadores, que quiserem tentar a sua cultura; 3º à compra de instrumentos,
máquinas ou utensílios agrícolas, com as mesmas condições e fins; 4º à
sementeira ou plantio de pinhais ou matas nos baldios ou terrenos de inferior
qualidade, pertencentes ao concelho, ou adquiridos por ele para tal fim.
§ único. Estas aplicações só se
verificarão depois de completo o fundo da Caixa. Até aí o seu rendimento
líquido será nele incorporado.
Artigo 26º — A câmara fará os regulamentos oportunos
para a boa gerência da Caixa, os quais terão vigor depois de aprovados pelo
Conselho de Distrito.
Câmara de
Belém, 27 de março de 1855.
---
ALEXANDRE HERCULANO
Escrito em 1855, e publicado
em: Opúsculos, 1909.
Pesquisa e adequação
ortográfica: Iba Mendes (2019).
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