Dizem
que havia outrora, no Rio Uanauá, moças virgens que guardavam os talismãs e os
atributos de Jurupari.
Dizem
que uma vez fugiu uma das moças e foi procurar marido.
Chegando
ao mato e anoitecendo, ali dormiu. De madrugada estava chorando quando ouviu
homens falarem.
Um
deles estava dizendo:
—
Eu não me hei de casar; se encontrar uma moça bonita então me casarei.
Depois
disso encontraram a moça e o homem, vendo-a, achou-a formosa e ela também o
achou bonito.
O
homem lhe disse:
—
Queres te casar comigo? A moça disse:
—
Quero.
O
homem então levou-a para sua terra.
Aquele
homem era da nação Jacamim.
Os
pais o casaram e depois de casados foram eles banhar-se ao riacho e ali acharam
a erva Jacamim com a qual esfregaram o corpo e se lavaram.
Dizem
que então ambos se transformaram em jacamins.
Depois
disso sentiu que tinha ovos e a barriga cresceu a não poder mais andar.
Dizem
que a mulher dissera:
—
Isto não são ovos, isto talvez sejam filhos.
—
Meu filho, em tempo algum tu flecharás Jacamins.
A
mãe deles nunca os vira quando dormiam; uma noite, porém, foi vê-los dormir.
Olhando
para seus filhos assustou-se.
A
menina, dizem, que tinha sete estrelas na testa e o menino uma cobra de
estrelas enrolada no corpo.
A
mãe ficou assustada e chamou o marido para ver as crianças.
Veio
o pai delas e assustou-se também. Falou.
—
Eu sou ave, como é que tenho crianças?
—
Que quer dizer isto, eu sou ave e minha mulher tem crianças? Os pajés
disseram-lhe:
—
Também são teus filhos. Quando estiveste com tua mulher ela estava olhando para
as estrelas e por isso saíram as estrelas neles.
Enquanto
o pai conversava com os pajés e a mãe foi também passear, o menino pegou nas
flechas e no arco e foi caçar.
Encontrou
Jacamins e matou todos.
Depois
de ter morto todos, vieram outros que também matou. Depois foi para casa.
Depois chegou a mãe.
Ele
disse à mãe:
—
Minha mãe! Eu matei todos os Jacamins. Vamos ver?
—
Vamos.
—
Meu filho, tu mataste teu pai e bem assim os pajés; agora ninguém nos dá o
sustento. Tu nos estragaste muito.
Então,
dizem que o menino respondera:
—
Não entristeça o seu coração, mãe, para isso estou eu, o que faltar eu lhe
darei.
—
Meu filho, como chegaremos à terra de teu avô? Quando outrora de lá saí não
tinha filhos, estava virgem. Agora teu
avô há de querer meter-me na casa tenebrosa para que eu não conheça homens.
—
Deixe estar, minha mãe, eu verei, quando eu chegar lá eu acabo com essas
coisas.
Quando
eles chegaram na terra do avô, o menino pegou numa grande pedra e lançou sobre
a casa e a achatou; as mulheres todas que lá estavam fugiram. A pedra que caiu
pelo seu próprio peso afundou se pela terra.
O
avô quando viu aquilo teve medo do menino e toda aquela gente também teve medo
dele.
Dizem
que, então, o chefe falara:
—
Eu toda vida estimarei muito a vocês, mas só quero que concertem o que
estragaram e ponham tudo como anteriormente estava.
Disse
então o menino ao chefe.
—
Eu também gosto de ver todas as coisas em seu lugar.
—
Dê para mim minha irmã para eu levá-la e curá-la, porque só eu sei onde está o
remédio. Deste modo o irmão levou-a para o céu, por não querer que ela se
curasse e é ela que agora vemos e chamamos as Sete estrelas (Plêiades).
Vendo
depois disso, a mãe, que eles se demoravam foi-lhes no encalço a procurá-los e
quando passava por um riacho a cobra grande a engoliu.
Quando
chegou o filho macho não achando a mãe foi também a sua procura.
Foi
por todas as terras e por onde foi passando deixou filhos até encontrar sua
mãe.
Depois
de achar a mãe levou-a para o céu.
Ela
é hoje aquela estrela que nós chamamos Pinon ou Cobra grande.
O
que eu conto foi no nosso princípio, na origem de nossos avós.
---
Fonte:
João Barbosa Rodrigues (1842-1909):
"Poranduba amazonense" (1890)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
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