7/08/2019

As mulheres da maloca (Lenda), de Barbosa Rodrigues



As mulheres da maloca

Dizem que havia outrora, no Rio Uanauá, moças virgens que guardavam os talismãs e os atributos de Jurupari.

Dizem que uma vez fugiu uma das moças e foi procurar marido.

Chegando ao mato e anoitecendo, ali dormiu. De madrugada estava chorando quando ouviu homens falarem.

Um deles estava dizendo:

— Eu não me hei de casar; se encontrar uma moça bonita então me casarei.

Depois disso encontraram a moça e o homem, vendo-a, achou-a formosa e ela também o achou bonito.

O homem lhe disse:

— Queres te casar comigo? A moça disse:

— Quero.

O homem então levou-a para sua terra.

Aquele homem era da nação Jacamim.

Os pais o casaram e depois de casados foram eles banhar-se ao riacho e ali acharam a erva Jacamim com a qual esfregaram o corpo e se lavaram.

Dizem que então ambos se transformaram em jacamins.

Depois disso sentiu que tinha ovos e a barriga cresceu a não poder mais andar.

Dizem que a mulher dissera:

— Isto não são ovos, isto talvez sejam filhos.

— Meu filho, em tempo algum tu flecharás Jacamins.

A mãe deles nunca os vira quando dormiam; uma noite, porém, foi vê-los dormir.

Olhando para seus filhos assustou-se.

A menina, dizem, que tinha sete estrelas na testa e o menino uma cobra de estrelas enrolada no corpo.

A mãe ficou assustada e chamou o marido para ver as crianças.

Veio o pai delas e assustou-se também. Falou.

— Eu sou ave, como é que tenho crianças?

— Que quer dizer isto, eu sou ave e minha mulher tem crianças? Os pajés disseram-lhe:

— Também são teus filhos. Quando estiveste com tua mulher ela estava olhando para as estrelas e por isso saíram as estrelas neles.

Enquanto o pai conversava com os pajés e a mãe foi também passear, o menino pegou nas flechas e no arco e foi caçar.

Encontrou Jacamins e matou todos.

Depois de ter morto todos, vieram outros que também matou. Depois foi para casa. Depois chegou a mãe.

Ele disse à mãe:

— Minha mãe! Eu matei todos os Jacamins. Vamos ver?

— Vamos.

— Meu filho, tu mataste teu pai e bem assim os pajés; agora ninguém nos dá o sustento. Tu nos estragaste muito.

Então, dizem que o menino respondera:

— Não entristeça o seu coração, mãe, para isso estou eu, o que faltar eu lhe darei.

— Meu filho, como chegaremos à terra de teu avô? Quando outrora de lá saí não tinha filhos, estava virgem. Agora  teu avô há de querer meter-me na casa tenebrosa para que eu não conheça homens.

— Deixe estar, minha mãe, eu verei, quando eu chegar lá eu acabo com essas coisas.

Quando eles chegaram na terra do avô, o menino pegou numa grande pedra e lançou sobre a casa e a achatou; as mulheres todas que lá estavam fugiram. A pedra que caiu pelo seu próprio peso afundou se pela terra.

O avô quando viu aquilo teve medo do menino e toda aquela gente também teve medo dele.

Dizem que, então, o chefe falara:

— Eu toda vida estimarei muito a vocês, mas só quero que concertem o que estragaram e ponham tudo como anteriormente estava.

Disse então o menino ao chefe.

— Eu também gosto de ver todas as coisas em seu lugar.

— Dê para mim minha irmã para eu levá-la e curá-la, porque só eu sei onde está o remédio. Deste modo o irmão levou-a para o céu, por não querer que ela se curasse e é ela que agora vemos e chamamos as Sete estrelas (Plêiades).

Vendo depois disso, a mãe, que eles se demoravam foi-lhes no encalço a procurá-los e quando passava por um riacho a cobra grande a engoliu.

Quando chegou o filho macho não achando a mãe foi também a sua procura.
Foi por todas as terras e por onde foi passando deixou filhos até encontrar sua mãe.

Depois de achar a mãe levou-a para o céu.

Ela é hoje aquela estrela que nós chamamos Pinon ou Cobra grande.

O que eu conto foi no nosso princípio, na origem de nossos avós.

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Fonte:
João Barbosa Rodrigues (1842-1909): "Poranduba amazonense" (1890)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)

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