7/05/2019

Amor de velhos (Conto), de Brito Camacho



Amor de velhos

Sua Majestade, o Rei Leopoldo,
da Bélgica, esteve ontem em Paris,
incógnito, e com pouca demora.
(Dos jornais)
Bonjour, petite chatte...
Bonjour, petit chien...
E era uma cena doida de beijos, ele muito alto, muito magro, agarrando a pela cintura, como um avaro segurando o seu tesouro, e ela deitando-lhe os braços ao pescoço, os cabelos douro caindo-lhe pelas costas, e os lábios muito vermelhos, alongando-se numa momice, sussurrando umas palavras doces, que ele adivinhava mas não ouvia.
Petite chate!...
Petit chien!...
Pela Avenida, cruzando-se em todas as direções, milhares de carruagens passam, e em muitas delas vão as damas do grande mundo, ao lado dos amantes e dos maridos, envolvidas em peles caras, ricas de joias ou ricas de beleza, frutos de carne amadurecidos no ar daquela enorme estufa, propicia à florescência dos mais belos vícios. Paris é lindo quando o inverno é áspero, e um grande lençol de neve, esburacado pelas torres e chaminés, se estende por sobre a cidade, cobrindo-a de um extremo a outro.
— Minha adorada Cléo!
— Meu adorado Leopoldo!
E assim ficavam horas e horas, à janela, por detrás dos vidros cerrados, ele agarrando-a pela cintura, ela estendendo-lhe os braços ao pescoço, muito chegados, muito unidos, vendo as carruagens que passavam, cruzando-se em todas as direções na imensa e linda Avenida. Ao cabo, muito aconchegados, muito unidos, deixavam-se cair no sofá, junto à janela, ela a estender os lábios vermelhos numa momice de criança dócil, e ele a adorá-la, num culto de devoção ardente.
Petite chate!...
Petit chien!...
E quando o sol se escondia, por trás do Monte Valeriano, descia ele a escada daquele entressol luxuoso, limpando os bigodes brancos, muito alto, muito magro, rei mais que todos reinadio, e ia ela encostar-se à janela, de vidros cerrados, os cabelos de ouro caindo-lhe pelas costas, os lábios já sem cor retraindo-se sem graça, a ver os últimos carros que passam pela Avenida, cruzando-se em todas as direções.

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Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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