Amigos, amigos...
Amigos desde os bancos das Escolas, um
e outro sem família» resolveram fazer vida em comum.
Por que não?
Aumentariam as comodidades, e as
despesas diminuiriam. Não eram ricos; mas somados os modestos haveres que
possuíam, tinham uma pequena fortuna.
No Colégio chamavam-lhes os Siameses, não
porque se parecessem fisicamente, mas porque andavam sempre juntos, tinham as
mesmas opiniões, os mesmos gostos, as mesmas birras e caprichos. Fumavam os
mesmos cigarros, usavam os mesmos fatos e liam os mesmos livros, isto é, os
mesmos romances, às escondidas.
Alugaram casa, mobilharam-na com o
desejável conforto, e assentaram em tomar uma criada da província.
No dia em que a senhora Rosalina
entrou, com o seu grande saco de roupa na mão, perfeitaça e rechonchuda, os
dois amigos assentaram no programa de vida a realizar, portas a dentro, por
modo que naquele modesto lar só houvesse paz e harmonia.
— Farás de conta que a Rosalina é
minha mulher, e tratá-la-ás com o respeito devido. Eu farei de conta que ela é
tua mulher, e tratá-la-ei com o devido respeito.
Assente, por maneira tácita, que a
Rosalina seria a mulher dos dois, foram as coisas marchando à maravilha
como sur des roulettes.
Evitavam as situações que podiam ser
comprometedoras, e uma vez que se encontraram no corredor, às escuras, pela
noite alta, quase junto à porta do quarto da moça, atribuíram o caso a
necessidades derivadas de um arroz de ameijoas que tinham comido ao jantar, e
em que os dois se tinham metido a valer, porque estava excelente. Raramente iam
os dois ao teatro, na mesma noite, e quando um jantava fora, tinha o cuidado de
prevenir o outro para seu governo. A Rosalina tinha para ambos as mesmas
atenções, as mesmas respeitosas delicadezas as mesmas penhorantes solicitudes.
Em cada mês um era o bolsa- como nas Repúblicas de Coimbra, não
porque tivessem necessidade de fiscalizar a administração da rapariga, incapaz
de errar as contas em seu proveito, mas para saberem o que se gastava em casa,
habilitando-se a suportarem os respectivos gastos com equidade absoluta- E
nunca trocavam impressões a respeito da governanta, ambos satisfeitos com o
serviço que ela lhes prestava, cada um deles, conforme o ajuste feito,
considerando-a mulher do outro, e ela considerando-se mulher dos dois, forma de
neutralidade que tacitamente tinham adotado os três, para que naquele modesto
lar houvesse paz e harmonia.
Eis senão quando a cachopa declara que
precisava alargar os coses, sempre agoniada, a vomitar por todos os cantos, e
uma coisa lá dentro, a mexer, que parecia um bicho.
Foi chamado um médico, o primeiro que
se encontrou, e discretamente os dois se retiraram para a casa de jantar,
deixando a rapariga à vontade para responder às perguntas que naturalmente lhe
faria o doutor.
Foi rápido, sem deixar de ser completo
o exame, terminado o qual o médico expôs, sem hesitações e sem reticências, o
seu diagnóstico.
— A rapariga está grávida, e pelo que
ela diz e eu observo, daqui por uns três meses deve ter o seu bom sucesso.
Um deles ainda aventou uma hipótese —
um bicho como a Rosalina dizia, porventura um tumor a ser operado, como
sucedera à irmã de um seu amigo, que os médicos, a princípio, diziam que estava
grávida. Quando mais tarde se reconheceu que se tinham enganado, já a pobre
senhora andava nas bocas do mundo.
— Desejaria muito enganar-me para lhes
ser agradável, mas o caso é dos que não permitem a sombra sequer de uma dúvida.
Foi o momento das confissões honradas,
do honesto desabafo, como aos pés de um confessor.
O filho da Rosalina seria, para todos
os efeitos, obra dos dois, e visto nenhum ter herdeiros forçados, ascendentes
ou descendentes, essa criança, rapaz ou rapariga, herdaria a fortuna dum e
outro, a despeito da sua paternidade ilegítima. E logo assentaram em fazer
testamento, nos termos d esta resolução, no próprio dia em que se batizasse o
pimpolho.
Precisou um deles sair, já a Rosalina
estava para toda a hora, e como houvesse de por lá ficar uns dias, quis
notícias pelo telégrafo.
E teve-as.
Gêmeos. O meu veio morto.
---
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...