Nem sempre é fácil a um grande nome literário,
na poesia ou na prosa, manter uma linha de equilíbrio intelectual através de
seus descendentes, de modo a evitar a comparação desairosa de um com outro. As famílias
do tipo Huxley ou Brontes, escasseiam, quando às vezes, um de seus membros não
quebra o traço que constitui a coluna vertebral da obra mestra.
No Brasil, entre outras (muito
poucas), a família em cujo centra se acha Alphonsus de Guimaraens mantém esse
equilíbrio de ideias e sentimentos em que se distingue a própria marca de família.
Em seu recente livro "Política e Letras", Rosário Fusco assinalou o
espírito religioso como uma das características essenciais na poesia de
Alphonsus de Guimaraens. Pois é este mesmo traço característico o que sobressai
nos filhos do poeta que até hoje se dedicaram às letras, quer na prosa, quer na
poesia.
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ALPHONSUS DE
GUIMARAENS
Ao falar nessa família de intelectuais
mineiros, tem-se que começar por Alphonsus de Guimaraens, sem esquecer, no
entanto, Bernardo de Guimaraens, seu tio, romancista cujo nome bem conhecido
tem lugar destacado na literatura brasileira.
Falamos do poeta. Nasceu Alphonsus de
Guimaraens em Ouro Preto (Vila Rica), em 24 de julho de 1870 e faleceu em
Mariana, em 15 de julho de 1921, deixando quatorze filhos, sendo oito mulheres
e seis homens.
De sua vida, como pai de família
exemplar, e de sua vida de juiz não há melhor depoimento do que o prefácio de João
Alphonsus, às "Poesias", editadas pelo Ministério da Educação.
Conhecera o poeta em Conceição aquela com quem se casou e que lhe sobrevive, D.
Zenaide de Guimaraens.
As poesias de Alphonsus de Guimaraens
estão todas elas nos livros "Kiriale", "D. Mística",
"Pastoral dos Crentes do Amor e da Morte", "Escada de Jacó",
"Septenário das Dores de Nossa Senhora" e "Pulvis".
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O POETA SATÍRICO — UMA FACETA QUASE
DESCONHECIDA
Tudo isto constitui a parte mais divulgada
e mesmo mais característica da obra de Alphonsus de Guimaraens. Há, entretanto,
a acrescentar à sua obra "Mendigos", livro de prosa, e "Pauvre
Lyre", versos franceses, editados em 1920. E nem só isso. Alphonsus de
Guimaraens foi também um curiosíssimo cronista, colaborando em jornais do seu
tempo. No jornal "Conceição do Serro", que fundou em 1903, publicou
numerosas sátiras até hoje quase inéditas. E o poeta satírico jamais desmerecia
o poeta simbolista que ele foi. Nesta coleção de sátiras que daí ficou há esta
"a um homem pacífico":
Homem pacífico, a paz
Deu-lhe quietações silentes
De tal modo que zás-trás!
Com voz gemebunda e terna
Receitava para os doentes
A paz eterna.
Este aspecto do autor de
"Kiriale", entretanto, é quase que inteiramente desconhecido.
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JOÃO ALPHONSUS
— O QUE MAIS CONVIVEU COM O POETA
Dos filhos do poeta autor de "D.
Mística", o que mais conviveu com o pai foi João Alphonsus, que gravou as
suas impressões no prefácio que fez às "Poesias". Nasceu em Conceição
do Serro, em 1901. Em 1930 bacharelou-se em Direito, trabalhando seguidamente
como auxiliar jurídico da Procuradoria Geral do Estado. Como não podia deixar
de ser, dada a maior convivência com o poeta, João Alphonsus começou a escrever
muito cedo. A princípio escrevia poesias, mas logo descobriu a sua verdadeira vocação:
a prosa. Formou no número dos que fizeram o movimento modernista em Minas. Os
seus livros até agora publicados são: "Galinha Cega" e "Eis a
Noite" (contos), "Totônio
Pacheco" e "Rola Moça" (romances).
Um dos aspectos mais interessantes que
ressalta da prosa como da poesia de João Alphonsus é o fato de que, tendo sido
ele dos filhos o que mais conviveu com o poeta de "D. Mística",
apesar de conservar aquele traço característico que já se tornou familiar, isto
é, aquela mística religiosidade, nem por isso deixou de reagir contra as
escolas do passado, onde se costuma situar Alphonsus de Guimaraens, formando
entre os demais modernistas.
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ALPHONSUS DE
GUIMARAENS FILHO
Entretanto, o que mais sofreu a
influência paterna é justamente aquele dos filhos de Alphonsus que não chegou a
conhecer o poeta: Alphonsus de Guimaraens Filho. Estreou-se em 1940 com
"Lume de Estrelas", livro de versos, de larga repercussão e que
consagrou o seu autor como um digno herdeiro do grande simbolista de Mariana.
Mas se entre pai e filho existe a grande afinidade no que diz respeito à essência
poética repleta de religiosidade e quanto à técnica, a poesia do autor de
"Lume de Estrelas", liberta-se inteiramente da paterna adotando a
poesia de ritmos livros.
Dos filhos de Alphonsus de Guimaraens
é este o mais moço. Começou a poetar, segundo ele mesmo nos contou, aos sete
anos, sem dúvida influenciado pelo ambiente, perpetrando o que ele chamou de
"essa coisa":
Pelas vastas campinas
Cantando os passarinhos
Catando os capinzinhos
Para afazer os seus ninhos.
Estava pronto o seu ninho
O macho saiu a passear
Por que não volta cedo para o ninho
E fica só voando pelo ar?
O jovem poeta de "Lume de
Estrelas", bacharelou-se em Direito em 1940, e escreveu ainda um livro de
versos inicialmente intitulado "Santa Solidão". De tendências
inteiramente literárias, o filho de Alphonsus de Guimaraens não arrepiava
caminho e entregava-se de corpo e alma à poesia.
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NAZARENO
ALPHONSUS É CONTISTA
Quase da mesma idade de Alphonsus
Filho e pouco mais velho do que este, Nazareno foi sobretudo contista. O seu livro
de contos, do qual vários foram publicados em jornais e revistas, intitula-se
"Alexandre, velho amigo”.
Na poesia, mostra ele os mesmos sentimentos
que se podem dizer familiares, isto é, doçura e religiosidade.
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A TRADIÇÃO NA FAMÍLIA
Aliás, na família de Alphonsus tal doçura
têm profundas raízes. Esta mesma doçura pode-se encontrar na poesia de um irmão
do poeta de "Kiriale": Arcangelus de Guimaraens. Arcangelus nasceu em
Ouro Preto (Vila Rica), e faleceu em 1934, em Belo Horizonte, como auditor da
Força Pública. Poeta simbolista como o irmão que o chamava de "irmão de sangue,
e d'alma", deixou inédito um livro de versos — “Coroa de Espinhos".
Desta família de intelectuais foi este um dos componentes que os demais jamais esquecem,
graças à doçura e delicadeza com que provou a sua vida e a sua poesia.
É com doçura, religiosidade e misticismo
que os filhos de Alphonsus de Guimaraens conservaram a sagrada tradição de
sentimentos familiais. E, ao fim, uma nota curiosa: a ojeriza, a verdadeira birra,
contra a alteração na grafia do nome Guimaraens, que alguns entendem de
escrever Guimarães. Guimarães, não: "Guamaraens".
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Revista
“Vamos Ler!”, 6 de maio de 1941.
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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