“Alma
Cabocla”
Paulo Setúbal, o incomparável cantor
da “Alma cabocla”, é um poeta que ocupa um lugar à parte entre os poetas da
atual geração que marcham vertiginosamente pelo desfiladeiro da glória, rumo ao
ideal.
Ocupa um lugar à parte porque, sobre
ser grande e verdadeiro poeta, é dotado de uma ausência de cabotinismo que,
longe de lhe apagar o brilho, mais o reaviva e o intensifica.
A sua alma de poeta, na acepção
homérica da palavra, lampeja, corusca e faroleia, do fundo da penumbra elegante
da sua modéstia, de tal modo que até chega mesmo a perturbar o brilho falso e
as reverberações imprecisas dos que, acavalados no ginete do cabotinismo,
galopam furiosamente para a notoriedade, abrindo passagem a golpes de audácia e
estonteante e alardeadoras clarinadas.
A sua poesia é bem a poesia do Brasil,
porque nela há muito sol e luar dos trópicos, murmurâncias de selvas,
murmurilhos de arroios, mistérios de penumbras, realidades de clareiras, aromas
de veludosas e desonduladas campinas, perfumes de almas fundidos e misturados
com perfumes de gleba e amores silenciosos, medrosos, furtivos, da gente rude,
que se acostumou a ser boa em contato com a grande bondade da terra e aprendeu
a amar dentro do Panteão da Natureza.
Apesar dos bizarrismos mórbidos e
estapafúrdios que de há muito lavram, desvirtuando e degenerando a veia poética
dos poetas do Brasil, a ponto de cantarem alheios a tudo quanto os rodeia e os
envolve, Paulo Setúbal, herdeiro de uma lídima infibratura de robusta,
eloquente e seivosa poesia, encerrando entre as muralhas do seu temperamento,
resistindo heroicamente a todas as maléficas influências infiltradoras, faz
poesia refletindo a nossa ética, como todo o corolário das suas ânsias
desordenadas, violentas, mas afinal profundamente nossas e ardentemente
brasileiras.
Poesia é sentimento e o autor de “Alma
cabocla”, fazendo deste postulado artístico o seu padrão, o seu ponto de apoio,
sem procurar e sem pedir assuntos e motivos além das nossas fronteiras,
conseguiu plasmar uma poesia em que palpita, vibra, estua e anseia a alma da
nossa gente em toda a sua plenitude e desdobramento — rugidora, violenta,
bárbara, nas rajadas de volúpia; e terna, suave, melancólica, dulçurosa, nos
desfalecimentos de tristezas, de dores e de sofrimento.
Artificialismos em sua arte não
encontraram guarida, da mesma forma que aquilo que ele não sente também não
canta. Livro singelo, onde se sente a presença onipotente e comovedora da
verdadeira e alta poesia!
Setúbal é simples, sem ser banal;
meigo, sem ser lamecha; voluptuoso sem deslizar pelo declive estafante e cediço
do sensualismo.
As suas estrofes, entretecidas de
brejeiro feitiço, de langorosos amavios, insinuam-se e penetram lentamente,
silenciosamente, como uma carícia musical de luz, dentro da alma de quem as lê.
Enquanto os livros que refletem esta
ou aquela escola, este ou aquele modo de versejar passam, desaparecem, sem
deixar na memória de ninguém o marco da sua passagem, “Alma cabocla” fica e
timbra nos sentimentos, marcando no Brasil uma etapa que muito nos orgulha,
porque representa um livro de poesia genuinamente nossa.
Livro excelente, que vale só por si
por quantos livros de sensações falsas e amaneiradas têm aparecidos nos últimos
tempos.
Poderia Paulo Setúbal poetar como a
maioria dos nossos poetas, mas o acendrado amor que tem à nossa gente levou-o a
pôr galhardamente o seu coração de poeta a serviço do vasto e bramante coração
da Pátria!
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Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
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