Depois de
tomar fôlego, dona Benta perguntou:
– Que é que
você pretende ser quando tiver vinte anos, Pedrinho? O menino ficou
atrapalhado. Ele pretendia ser tanta coisa...
– Pois aos
vinte anos o nosso Alexandre já era rei.
– Grande
milagre, vovó! Eu também seria rei aos vinte anos, se tivesse nascido filho de
rei.
– Sim, não
há nada demais em ser rei aos vinte anos quando um homem nasce num trono. Mas o
que esse reizinho de vinte anos fez é um assombro. Apesar de rei de dois
países, a Macedônia e a Grécia, não se contentou. Alexandre queria ser rei do
mundo.
Para isso
deu andamento àqueles planos de conquistas a Pérsia, fazendo-a pagar a guerra
que cento e cinquenta anos antes Dário havia feito aos gregos. E conquistou-a.
Alexandre reuniu um excelente exército, atravessou o Helesponto e penetrou na
Ásia, onde os persas não conseguiram embraçar-lhe o caminho. Alexandre não saía
vencedor de todas as batalhas.
Na sua
contínua marcha para a frente, passou por uma cidade onde havia um templo
célebre. Sabem por quê? Por causa dum nó.
– Dum nó?
Que graça! Exclamou Narizinho. Um nó cego, aposto.
– Um nó cego
na verdade, minha filha, impossível de ser desatado. Era o celebre Nó Górdio,
do qual um oráculo havia dito que quem o desatasse conquistaria a Pérsia.
Quando Alexandre soube do caso, foi examinar o nó e imediatamente viu que era
mesmo um nó cego. Puxou, então, da espada e cortou-o pelo meio, de um golpe...
– Ahn! Exclamou Pedrinho. Só agora
compreendo porque as pessoas que resolvem uma situação encrencada dizem: "cortei
o nó górdio!"
– Pois é
isso mesmo. Usamos tal expressão por causa do que Alexandre fez há vinte e três
séculos. Mas o nosso Alexandre que não era de brincadeiras, realizou a predição
do oráculo: conquistou a Pérsia. De lá marchou para o Egito, quem pertencia à
Pérsia, e também o conquistou. Para comemorar a vitória ergueu uma cidade perto
da boca do Nilo e deu-lhe um nome derivado do seu – Alexandria. Nessa cidade
que iria torna-se uma das mais importantes do mundo, fundou a mais célebre
biblioteca dos tempos antigos.
– Como eram
os livros?
– Escritos a
mão, em tiras de papiro emendadinhas, formando rolos. Essa biblioteca foi
acumulando tudo o que a humanidade havia escrito até aquela data e chegou a ter
meio milhão de obras. Se séculos mais tarde não fosse queimada pelo sultão
Omar, seria hoje a mais preciosa e importante biblioteca do mundo.
– Por que
esse indecentíssimo Omar destruiu uma coisa tão preciosa, vovó? perguntou o
menino, revoltado.
– Por puro
espírito de fanatismo, meu filho. Omar que era um fanático da religião Maomé,
mandou incendiar a preciosa biblioteca porque: "Ou os seus livros dizem o
mesmo que o Corão, e nesse caso são inúteis, ou dizem o contrário, e nesse caso
devem ser destruídos." O Corão é o livro sagrados dos maometanos, como
para os cristãos é a Bíblia.
– Imbecil!
Não era lá que havia o tal farol?
– Sim. Nessa
mesma cidade de Alexandre foi erguido esse monumento notabilíssimo. O farol, o
gigantesco farol cuja luz alcançava muitos quilômetros longe. Foi levantado na
ilha de Faros – de cujo nome veio a palavra farol. Era uma torre de mais de
trinta andares, coisa colossal numa época de construções de um e dois andares
apenas.
Mas
Alexandre não ficou á espera de que a biblioteca se enchesse de livros e a
torre de Faros se erguesse ao trigésimo andar. Deu ordens para que tudo se
fizesse e tocou para a frente. Alexandre não podia parar. Ardia por conquistar
novas terras, ver novas caras, novas coisas – e esqueceu-se completamente de
sua Macedônia. Em vez de voltar para lá, ao menos a fim de matar as saudades,
marchou para diante e foi conquistando todos os países que encontrou, até a
Índia.
– Que homem "mais
que os outros" era Alexandre, vovó! observou a menina. Desde meninote...
– Realmente.
Alexandre era único e tinha o bicho carpinteiro no corpo. Não podia parar.
Começou a ser rei aos vinte anos e desde aí até a morte jamais esquentou lugar.
Morreu com trinta e três anos apenas – a idade de Cristo – e já era chamado de
Alexandre o Grande. Havia se tornado senhor de todo o mundo – pelo menos de
todo o mundo então conhecido e habitado por povos civilizados. Só não se
lembrou da Itália ou não teve tempo de conquistá-la. Mas naquele tempo a Itália
não passava de uma porção de cidades pouco povoadas e sem nenhuma importância.
Quando
Alexandre viu que nada mais restava que valesse a pena vencer, dizem que
chorou...
– E como não
tinha mais mundo para conquistar resolveu morrer, não é?
– Mais ou
menos. Não vendo inimigos pela frente contra os quais lançasse o seu exército,
Alexandre resolveu voltar para a Grécia; mas com muita preguiça, lentamente,
parando pelo caminho para gozar a vida em festas. E assim alcançou a cidade de
Babilônia, que já não era nem sombra do que havia sido nos tempos da grandeza.
Lá morreu repentinamente durante um banquete, no ano 323 a.C.
Este
Alexandre deveu muito e muito a Aristóteles. Foi Aristóteles quem lhe ensinou a
ser um grande homem. Nas suas conquistas prestava grandes benefícios aos povos
dominados. Ensinava-lhes a língua grega, de modo que pudessem cultivar o
espírito lendo os únicos livros de valor existentes na época, os livros gregos;
ensinava-lhes os esportes atléticos praticados em Olímpia; ensinava-lhes as
artes – a pintura, a escultura, a música. Sua preocupação era melhorar a
cultura dos vencidos. Podemos até dizer que com seus livros ninguém ensinou
mais aos homens do que Aristóteles e com sua espada ninguém ensinou mais aos
povos que seu discípulo Alexandre.
Alexandre
casou-se com uma rapariga persa de grande beleza, chamada Roxana, e morreu
antes de lhe nascer o único filho, de modo que a chefia do império coube aos
seus generais.
– Aos quais?
– "O
mais capaz que governe", tinha sido a recomendação de Alexandre. "Lutem
entre si e vejam qual o mais forte. Esse deverá ser meu sucessor". Os
generais lutaram entre si, mas a vitória empatou entre quatro. Em vista disso o
império de Alexandre foi dividido em quatro, cabendo cada parte a um deles.
Destes
generais só um realmente tinha qualidades de chefe, ou rei – um chamado
Ptolomeu. Governou o Egito sob nome de Ptolomeu I e governou bem, formando uma
dinastia, isto é, fazendo que seus filhos governassem depois dele. Os outros
generais não souberam conservar os reinos recebidos, de modo que depois de
alguns anos nada mais restava do grande império de Alexandre.
– Tal qual
um balãozinho de elástico que a gente assopra, e ele enche e enche até que – paf! estoura e não fica coisa nenhuma,
observou Pedrinho filosoficamente.
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José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019
José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019
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