7/23/2019

Alcântara Machado - Magalhães e o Teatro Brasileiro (Crítica)



Magalhães e o Teatro Brasileiro

Publicado na Europa o livro Suspiros Poéticos, Magalhães volta ao Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro a 14 de maio de 1837.

Ao que dizem, a frase que lhe assoma aos lábios, ao entrar na baía de Guanabara e diante de maravilhas tamanhas, é esta exclamação desdenhosa: "Ó terra de ignorantes!" Parece tratar-se de invencionice fabricada para malquistá-lo com os compatriotas. Ao invés do que se propala, Magalhães dá mostras, em versos inflamados, de quanto se julga venturoso em rever

O pétreo gigante majestoso
Sobre as cerúleas ondas ressupino...
Do golfo ingente, que do mundo as naves
Todas pode conter no âmbito imenso;

e o sol dos trópicos que refulge ainda

Nestes climas
Da Providência esmero
Onde se apraz a amiga liberdade
Tão grata aos corações americanos;

e a terra em que nasceu:

Se em ti não venho achar da Europa o fausto...
Também não acharei suas misérias
Maiores que seu brilho.

Desembarca, e é recebido como um triunfador pelos contemporâneos.

Assim estimulado, recomeça imediatamente a atividade literária.

Em fins de 1837, ou começos do ano imediato, escreve para João Caetano dos Santos a tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inquisição. É a primeira obra desse gênero que empreende. Não há contar, de fato, o "elogio dramático em aplauso do dia aniversário da Independência, representado no teatro particular da Rua dos Arcos em 7 de setembro de 1831", alegoria detestável, em que o Brasil, a Liberdade, o Fado e o Coro das Províncias se entregam a copioso intercâmbio de sensaborias, à sombra de "aprazível bosque as margens do Rio de Janeiro".

A tragédia vai á cena em 13 de março de 1838, no Teatro da Praça da Constituição, conhecido também por Teatro Constitucional Fluminense. João Caetano desempenha o papel do protagonista; Estela Sezefredo, o de Mariana; Costa, o de frei Gil; Amaral, o de Conde de Ericeira.

Noite memorável. A sala, repleta e vibrante: "em todas as dependências do teatro (notícia o Jornal do Comércio na edição de 21 de março), o público se apinhava ardoroso e exaltado, como se tivesse consciência do momento histórico". O êxito, formidável: o autor se recordaria mais tarde, com desvanecimento, dos elogios e aplausos conquistados pela tragédia, e especialmente pelo quinto ato, nas repetidas vezes em que subiu à cena.

Justificam-se as aclamações da plateia carioca e a ufania de Magalhães. Não pelo que vale Antônio José, mas pelo que representa.

O que representa, disse-o muito bem José Veríssimo. Refervem ainda as esperanças e ilusões suscitadas pela Independência, que data apenas de quinze anos. É nessa atmosfera abrasada pelo patriotismo que se desenrola este espetáculo inédito: atores brasileiros ou abrasileirados interpretam em um teatro brasileiro a produção de um brasileiro, que se destina a evocar a figura de outro brasileiro martirizado pela metrópole. Naturalíssima a repercussão que tem na alma do povo essa primeira tentativa de nacionalização do teatro.

O que vale é, em verdade, muito pouco.

Magalhães, que dera um passo à frente com os Suspiros Poéticos, recua acintemente para o passado com o Antônio José. A fim de tornar bem manifesto o seu divórcio da corrente literária, a que se filiara durante a estadia na Europa, não escreve um drama histórico à mania dos românticos, com as suas paixões descabeladas, os seus lances violentos, a sua preocupação da cor local e do pormenor pitoresco; nem um melodrama consoante a receita de Pixérecourt e Ducange, rápido na ação, violento e pueril nos processos, e moral no desenlace, que é o triunfo inevitável da virtude. Não: em vez de escolher uma dessas fórmulas teatrais, que são as do tempo em que vive, Magalhães mergulha no passado e volta de lá com uma tragédia em cinco atos. Não lhe consente o engenho tomar por modelo qualquer das obras-primas da idade áurea. Inspira-se nos frutos abortícios da decadência. De modo que Antônio José encerra todos os defeitos do gênero, e nenhuma de suas belezas.

Justíssima, a crítica de Sílvio Romero: obra incolor, sem vida, sem ação. A fabulação? Pueril. As personagens? Tudo quanto há de mais falso. O estilo? Tudo quanto há de mais empolado, cerimonioso, retórico. O verso? Tudo quanto há de mais prosaico, lembrando, a cada instante, o dito de Rivarol: c'est là de la prose, ou des vers se sont mis.

Desse juízo, que é o dos críticos, poderia o autor apelar para o das multidões. Alguma coisa ficou, na memória coletiva, da versalhada de Antônio José. Há ainda quem proclame: "Nasce de cima a corrupção dos povos..." Existe ainda quem diga sentenciosamente: "Poetas por poetas sejam lidos, poetas por poetas entendidos". A glória é isso mesmo, afinal de contas: uma palavra, uma atitude, um gesto, que sobrevivem.

Reincidindo no pecado, Magalhães comete, logo depois, nova tragédia em cinco atos. Olgiato é representado a 7 de setembro de 1839, por ocasião da reabertura do Teatro São Pedro de Alcântara, em que se transforma o Teatro Constitucional Fluminense. Nem João Caetano, nem Estela Sezefredo figuram entre os intérpretes. Cedem a autores secundários os papéis que lhes destinara o autor.

Parece não ter sido dos maiores o êxito da peça. Em Olgiato sobram os vícios literários de Antônio José. O enredo está fora do plano da realidade, e também pela pobreza de invenção, abaixo do plano da poesia. As personagens são meras abstrações. A linguagem insossa, quando não pretensiosa. O que salva a obra anterior é a circunstância de versar assunto nacional. Nem essa atenuante se pode invocar a favor de Olgiato, que se vai abeberar num episódio minúsculo da história de Milão.

Coisa diferente não temos o direito de esperar de quem se revela, em matéria de arte, escravo de preconceitos infantis. "Se eu introduzisse Galeazzo em cena", diz ele, "ver-me-ia forçado a dar-lhe o seu torpe e infame caráter; o que, além de vexar o ator que o interpretasse, incomodaria os espectadores e vexaria a moral pública... Que jogo de cena poderia haver com um tigre que ia direito ao crime, de que alardeara?.... E quereriam os apaixonados da realidade vê-lo assim em cena?" Sem comentários.

A seguir, Magalhães traduz Otelo, a pedido de João Caetano, que representa em sua festa artística a tragédia. Não a produção de Shakespeare; mas a ignóbil adaptação de Ducis, em que Desdêmona aparece desfigurada em Hedelmonda, e, de vergonha, lago se esconde sob a máscara de Pésaro...

Além dessa, Magalhães trasladou para o vernáculo outras produções teatrais, de que não há notícia precisa. Diz ele, com efeito, haver excluído da edição de suas tragédias "outras menos aceitas".


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ALCÂNTARA MACHADO
"Gonçalves de Magalhães ou o romântico arrependido" (1936)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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