Chiu!
Olha por ali, Manola, para aquele jardim em frente! Olha por ali, por esse
claro da folhagem, logo acima das rosas grandes... É uma irmã-da-Caridade, não? Ah! é uma
irmã-hospitaleira. E bonita! Fica-lhe bem ao rosto o creme da roupagem e a
moldura negra do véu! E que desembaraço, que porte, que meneio! Com que delicadeza
mete as mãos pequeninas e pálidas através do rosal, a escolher as flores mais
perfeitas! Olha como aquele Cristo de marfim lhe dança no peito, na elevação
dos seios, enigmáticos sob o forte e grosseiro hábito!... Lá caminha no
carreiro, com imponência; lá arregaça de mansinho o hábito; lá repuxa a
saia-de-baixo um quase-nada... Andar de santa miudinho e airoso... — que
magníficos pés!...
Cala-te,
Manola, olha que magníficos pés!... Lá passam para as suas mãos, pequeninas e
pálidas, as rosas brancas daquela outra roseira... E torna a caminhar, toda
bonita, toda grave; — já puxou mais o hábito, e mais a saia-de-baixo... Olha,
Manola, que magníficos tornozelos!
Que
lembrança! queres então que eu tussa, Manola! Para que hei de eu fazer barulho?
queres acaso que a irmãzinha se vá embora, fuja corada aos olhos meus, e me não
deixe contemplar aqueles magníficos tornozelos?... Olha, olha como passeia
galante, sublime, pelos carreiros todos à cata de flores belas, e com que
delicioso garbo caminha e ergue o hábito!
Bem,
Manola! assim como assim vou tossir. Estás para aí amuada...
Olhar,
olhou, Manola, — mas decerto me não viu. Repara em que levantou mais o hábito e
saia-de-baixo... — Manola, Manola, que magníficas são as canelas!
Tusso
mais? Quê?! Não, Manola! Pois queres tu que eu meta a cabeça por este claro de
folhagem e tussa forte, muito forte? Que horror!
Mas
vá lá, Manola, vá lá!...
Agora
viu me bem, sorriu-se até a fada! — Oh! vai-se embora!... Olha-a Manola, pelas
costas: como se pressente dentro daquele farto e grosseiro hábito a graça
infinita do seu corpo!... E que magníficas barrigas-de-perna! Deixa-me
observar! Está quietinha! — Lá se adianta no carreiro, sobe agora aquela
escadaria morena bordada a musgo... Manola, Manola, viste? lá olhou para trás,
— e que magníficas... que magníficas ligas! Deixa-me ver, Manola! Chegou acima,
ao terraço, a juntar-se, donairosa e séria, àquele bando de religiosas, de azul
umas, de creme outras, várias de preto... Como elas agora se riem, Manola!
—
Olha lá: aquilo ali é algum colégio de meninas?... Algum asilo?... Algum
hospital?... Algum convento?...
Mas
então que diabo é aquilo ali?
...
Com que então aquilo ali é uma casa de padres?!
Tui, maio de 1910.
---
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...