Ainda o segundo tempo
– Havia na
Grécia, disse dona Benta no serão seguinte, uma passagem muito estreita, ou
desfiladeiro, conhecido como as Termópilas. Dum lado era o mar; doutro, a
escarpa duma montanha. Por ali os persas tinham de passar na sua marcha rumo a
Atenas.
– Termo, vovó disse Pedrinho, significa...
– Quente. Águas termais, águas quentes. Termópilas
queria dizer passagem quente, porque de fato havia por ali umas fontes de água
quente. Mas os gregos acharam que em vez de esperar o ataque dos persas muito
melhor seria atacá-los na passagem das Termópilas, onde um homem era capaz de
fazer frente a muitos. E Leônidas, o rei de Esparta, foi escolhido para
defender o desfiladeiro. Leônidas era um espartano digno de nome que tinha,
porque Leônidas quer dizer igual ao leão. Tomou o comando de sete mil soldados
bem escolhidos, entre os quais trezentos espartanos daqueles tinham aprendido a
não se renderem nunca. Mas era uma loucura jamais vista escorar tamanho
exército com sete mil homens apenas.
Quando
Xerxes percebeu que Leônidas estava ocupando as Termópilas com aquele
punhadinho de homens, riu-se, e mandou-lhe intimação para entregar-se. "Venha
buscar-nos", foi a lacônica resposta de Leônidas. Logo depois travou-se a
luta, e durante dois dias os gregos sustentaram as suas posições, impedindo o
avanço dos persas. Mas houve traição. Alguém foi contar a Xerxes que naquela
montanha havia passagem secreta dando para a retaguarda de Leônidas, de modo
que se os persas entrassem por lá os gregos seriam apanhados pelas costas.
Quando
Leônidas soube que os persas tinham descoberto a passagem secreta e vinham
vindo, compreendeu que tudo estava perdido. Falou aos seus homens. Contou o que
se passava; disse que quem quisesse retirar-se poderia fazê-lo e que quem
ficasse tinha de contar com a morte.
– E
retiraram-se muitos? Perguntou Pedrinho, ansioso.
– Seis mil.
Ficaram apenas mil, entre os quais trezentos espartanos. "Nós recebemos
ordem de defender esta passagem", foi a lacônica resposta que deram ao
general.
Leônidas e
seus mil homens lutaram nas Termópilas até o fim, morrendo todos, um por um.
Depois que
os persas atravessaram o desfiladeiro, a cidade de Atenas ficou em má situação,
porque nada podia impedir o ataque. Era absurdo resistir, dada a desproporção
entre atacados e atacantes. Os atenienses correram a consultar o Oráculo de
Delfos.
O Oráculo
respondeu que a cidade de Atenas estava condenada a ser destruída, mas que os
atenienses seriam salvos por muralhas de madeira.
– Que queria
dizer com isso? Perguntou Pedrinho.
– Essa mesma
pergunta acudiu a todos os atenienses. O Oráculo falava sempre dum modo
enigmático, que exigia interpretação. Dessas vez Termístocles traduziu a seu
jeito a resposta, dizendo que tais muralhas de madeira significavam navios da
esquadra, e convidou o povo a abrigar-se em barcos ancorados na baía de
Salamina. Os atenienses aceitaram o convite; abandonaram a cidade e meteram-se
a bordo.
Quando os
persas entraram em Atenas, só viram por lá casas vazias. Puseram-lhes fogo e
depois marcharam para Salamina, onde a esquadra persa, ajudada pelas forças de
terra, iria varrer dos mares os navios gregos. Para gozar esse espetáculo,
Xerxes mandou erguer um trono no alto dum morro, donde se descortinava toda a
baía.
A tal baía
de Salamina assemelhava-se muito ao desfiladeiro de das Termópilas; era uma
faixa d'água ou como um trecho de rio – e essa semelhança deu a Temistocles uma
ideia. Fingindo-se traidor, com aquele que nas Termópilas havia revelado a
passagem secreta, mandou dizer a Xerxes que se a esquadra persa fosse dividida
em duas partes, ficando uma num extremo e outra no outro extremo da baía, os
gregos, encurralados, nada poderiam fazer.
– E Xerxes
caiu na esparrela...
– Como um
patinho. Acreditou na nova "traição" e dividiu a esquadra em duas
partes. Isso foi ótimo para os gregos, que com todos os seus navios puderam
atacar cada metade por sua vez, e ainda, por meio de hábil manobra, conseguiram
fazer que as duas metades da esquadra persa se chocassem, com perda de muitos
navios.
O resultado
final foi a completa derrota dos persas no mar, e a necessidade em que ficou o
exército de terra de retirar-se para a Pérsia pelo caminho mais curto.
– Estou
imaginando o acesso de raiva que havia de ter Xerxes no seu trono, lá no alto
do morro! disse a menina.
– E eu, os
pulos de alegria de Temístocles! disse Pedrinho. Esse chefe acertou em todos os
pontos – até na decifração da fala misteriosa do Oráculo. Era um danado!
A
consequência da admiração do menino pelo chefe grego foi bezerro da vaca mocha,
nascido na véspera, passar a chamar-se Temístocles e não Gaveta, como queria a
boneca. Gaveta! Aquela Emília tinha cada uma...
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José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
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