A
virgem das esmeraldas
Muito longe daqui, num país
governado por um Rei avarento e orgulhoso, aconteceu um dia um milagre: numa
gruta, perto do mar, apareceu a uma camponesa Nossa Senhora, no seu manto de
estrelas. Maravilhada, a camponesa correu pelos campos e chegou à cidade,
espalhando pelas choupanas e palácios a notícia da aparição.
O povo alvoroçado acorreu à gruta.
Era verdade: a Santa lá estava, resplendente, envolta na sua túnica luminosa.
Era uma imagem de admirável formosura
que parecia sorrir, estendendo as mãos afiladas como num gesto de eterno
perdão. Quem a colocara ali? Ninguém soube. Os traços do rosto sereno, a
delicadeza infinita das mãos tão brancas e o rutilar dos astros que lhe constelavam
o manto não podiam ser obra de homem, revelavam um artífice divino.
Não tardaram, para tornar famosa
a doce Virgem, os milagres. Os cegos, beijando a pedra da gruta, recobravam a
vista por encanto. Punham-se a andar os paralíticos, os entrevadinhos. As crianças
pálidas saravam. Em torno da gruta, dentro em pouco, havia uma porção de
muletas abandonadas. Oferendas de toda a sorte eram levadas à Santa pelas mães
agradecidas. Os pescadores diziam que em noites de tempestade, pelo mar alto,
quando invocavam a Virgem, as ondas amainavam, rolando mansas como cordeiros em
torno dos frágeis barcos. Quando fez um ano, todos, ricos e pobres, campônios e
fidalgos afluíram à gruta maravilhosa, para levar a Nossa Senhora, açucenas e
lírios, velas de cera e precioso incenso. Ao chegarem lá, depararam, atônitos, com
o novo milagre: sob o tosco altar uma fonte de água muito pura surgia. A linfa,
cristalina e branca, rolava da lapa e, ao tocar o chão, espadanava transformada
em esmeraldas.
Passado o momento de espanto,
todos, deitando fora as oferendas e as flores, numa grande confusão, lutando
uns contra os outros, precipitaram-se, procurando cada qual apanhar maior
quantidade de esmeraldas. Com as mãos cheias, os bolsos transbordantes, os chapéus
repletos, loucos de alegria voltaram depois para suas casas, crendo-se ricos
para sempre. Mas qual não foi o espanto dessas almas gananciosas quando, ao esvaziar
nos lares as riquezas que haviam trazido, viram, em vez de esmeraldas, simples
conchinhas sem valor algum!
Logo tornaram, de roldão, para
diante da gruta, enfurecidos e ameaçadores. Mas a água brotava ainda, cada vez
mais pura e continuamente se mudava em esmeraldas. No altar, nimbado de esplendores,
a boa virgem já não sorria. Aparecia tristíssima, dir-se-ia com os olhos rasos d'água.
Cheios de cupidez, fizeram todos,
num delírio, nova provisão de esmeraldas e, voltando para suas casas, passaram
pela mesma decepção.
O velho Rei, sabendo disso,
exclamou:
— A Santa fez muito bem. Os
pobres não merecem pedrarias e os fidalgos delas não precisam. As gemas são
para os tesouros reais. Irei eu mesmo buscá-las, no meu manto de púrpura, de
coroa e cetro. Vendo um rei ajoelhar-se, a Santa não terá coragem para
mudar-lhe nas mãos as lindas esmeraldas em conchas.
À frente de um séquito numeroso,
o monarca, numa liteira de ouro, fez-se transportar à gruta.
Lá chegando, nem olhou para a
imagem, tanto o deslumbraram as esmeraldas que borbotavam como lágrimas de luz.
Nervosamente, curvando-se, o
soberano pôs-se a apanhá-las, entregando-as, depois, aos fâmulos que lhe estendiam
grandes salvas de prata. Repletas todas as salvas, ei-lo que volta, com o seu séquito,
na sua liteira, de ouro, para o palácio. Ansiosas esperavam-no a Rainha e as princesas.
Mas quando o Rei quis mostrar-lhes o tesouro, nas salvas de prata havia apenas
pequeninos mariscos.
Tomado de cólera, o monarca fez anunciar
que mandaria cortar a cabeça de todos aqueles que tornassem à grata. E a Santa
lá ficou esquecida, sem flores, sem círios votivos, perto do mar.
Correram assim muitos anos, até
que certo dia, num país vizinho, uma pobre menina, filha de um pescador, vendo
a mãe doente e o velho pai já sem forças para guiar o barco, lembrou-se da
Virgem das Esmeraldas, cuja lenda tantas vezes ouvira contar ao canto do lume.
Sozinha, cheia de fé, a boa
menina partiu de noite, a pé, ao clarão da lua. Atravessou compridas estradas,
ermas veredas, florestas bravas cheias de feras. Voavam à sua frente,
guiando-a, os vaga-lumes. Depois de uma longa jornada, chegou finalmente à gruta;
lá estava, serena e linda, a imagem milagrosa. A água borbotava sempre, transformando-se
em esmeraldas. A filha do pescador, ajoelhando-se, ergueu para a Virgem as mãos
postas e, numa prece fervente, rogou pela mãezinha enferma, pediu pelo pai
velhinho. Finda a oração, apanhou uma esmeralda, uma só, das mais pequeninas,
e, beijando o manto da imagem, tornou para a casa distante. Ei-la que entra a humilde
cabana e corre para junto do leito onde sua boa mãe jazia enferma, e a cuja
cabeceira, apertando a cabeça entre as mãos, o velho pai chorava.
— Papai! Papai! não chores...
Nossa Senhora deu-me uma esmeralda. Vamos vendê-la e comprar remédio para a mãezinha
doente.
Dizendo isto, procurou no
bolsinho do avental de chita a sua riqueza. E qual não foi a admiração de seus
pais, vendo por sobre o leito não uma só mas inúmeras esmeraldas, grandes e
brilhantes, de um imenso valor. Nossa Senhora multiplicara-as. A menina, pela
bondade de seu coração angélico e por sua gratidão infantil, mereceu tão
celeste recompensa.
Assim que no reino do velho
avarento souberam de tamanho milagre, todos, novamente, correram para a gruta.
Longe ainda, já iam de mãos postas, rezando em coro, como nas procissões, com o
monarca à frente, sem coroa nem cetro. Mas perderam seu tempo. A gruta estava
vazia. A imagem desaparecera. A fonte maravilhosa secara. Nossa Senhora voltara
ao céu, cumprida a sua missão de misericórdia
e de graça.
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Álvaro Sá de Castro Menezes (1883-1920)
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Álvaro Sá de Castro Menezes (1883-1920)
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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