Quem penetra o território mexicano, pela fronteira do Rio Grande, recebe o choque de um contraste fulminante. Para atrás, ficam os vales estrelados de papoulas silvestres, os campos de cultura, os canais de irrigação, os "cottages", os bangalôs e as aldeias norte-americanas, cortadas como tabuleiros de xadrez, onde os cowboys passeiam a sua arrogância de peões elegantes. Para atrás, as doçuras de uma vida fácil e amável, risos de "babies" louros, de olhos ingênuos, rumores de granjas alegres, fitas retas de estradas macias, torres de armazéns de petróleo, casarões coloniais, de gosto espanhol, em cujas muralhas cresce a hera dos castelos ingleses. Para atrás, a fartura, a economia, o bom senso medíocre das contas em ordem, a filosofia tranquila dos livros de razão.
Em frente, desdobrando-se numa tapeçaria
de mica, num mar de cintilações secas, ponteadas de brilhos duros e imóveis, estende-se,
por todos os quadrantes o deserto primitivo. Nem um relevo humano mancha a
pagina virgem da criação. Sobre a ondulação dos cômoros desolados, onde as
palmeiras nanicas equilibram perfis de pernaltas em repouso, despeja-se o azul
carrancudo do céu. O vento morno, que percorre os areais movediços, não traz às
papilas ávidas uma gota sequer de umidade. Nem um filete d'água pôde resistir
à sucção da terra, onde as gramíneas se retorcem à feição de cordas finas e
esturricadas. Se quiserdes escavar um poço artesiano, encontrareis com mais
facilidade uma bolsa de petróleo.
A essa trágica solidão fugiram os
pássaros de voo curto. Por vezes, entretanto, paira uma sombra no ar. Tão alto
a divisais, que a julgaríeis nuvem pequena de borrasca. Observareis, todavia,
certa regularidade no seu movimento. A sombra que, assim, vai riscando um
demorado círculo no espaço, não é a de um cirro, mas a de uma águia. É a da
águia asteca, dominando o deserto.
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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2019)
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