A Idade de Ouro
– Já falamos
nas Idades da Pedra e do Bronze, continuou dona Benta. Vamos ver agora um
pedacinho duma verdadeira Idade de Ouro, ou época em que o bem estar do povo
trouxe um grande florescimento das artes e ciências.
Depois de
terminada dum modo tão feliz a guerra com a Pérsia, os atenienses voltaram para
Atenas e reconstruíram as casas. E como eram um povo de grandes dotes
artísticos, aproveitaram a ocasião para fazer de Atenas a mais bela cidade do
mundo. Tudo os ajudou – tudo concorreu para isso.
– Quem era
nesse tempo o chefe de Atenas?
– Oh! Atenas
tinha um grande chefe chamado Péricles. Esse homem não era rei, nem tirano, mas
possuía tal inteligência, falava tão bem, mostrava-se tão hábil político, que
os atenienses começaram a segui-lo em tudo – e durante muitos anos Atenas foi
na realidade governada por ele. Péricles lembra um capitão de team de futebol altamente querido por
todos os jogadores em vista de suas qualidades. Um capitão desses leva a equipe
a operar prodígios – e vencer todos os jogos. Assim foi Péricles com a Grécia.
Surgiram por
esse tempo grandes filósofos, grandes escritores, grandes poetas, grandes
escultores, grandes arquitetos, grandes tudo.
– Pare um
pouco, vovó, disse a menina. Eu vejo sempre falar em filósofo e até já tenho
empregado essa palavra; mas na verdade não sei muito bem o que quer dizer. Para
tia Nastácia, filósofo é um sujeito de calça furada, que anda distraído pela
rua, tropeçando nos sapos. Será isso mesmo?
– Não, minha
filha. A palavra "filósofo" quer dizer "amigo da sabedoria".
Os filósofos são o complemento dos cientistas. Estes vão até o ponto em que
podem provar o que afirmaram. Desse ponto em diante acaba-se a Terra da Certeza
e começa a Terra do Pode Ser. Nesta Terra é que moram os filósofos. Se um
filósofo provar por A + B a sua filosofia, mas provar de verdade...
–... ali na
batata... ajudou Emília.
–... provar
experimentalmente, ele deixa de ser filósofo, passa a ser cientista.
–... muda-se
para a Terra do é... – ajudou de novo a Emília, e Narizinho advertiu-a de que
dona Benta não precisava de ajutórios.
– Pois é
isso. Por causa da grande liberdade de pensamento floresceu em Atenas um grupo
de filósofos dos mais notáveis. Até hoje o que os filósofos gregos ensinaram
tem grande valor, porque é difícil haver inteligência mais penetrante e clara
do que a deles. Ao lado dos filósofos apareceram grandes escritores, que
compuseram notáveis peças de teatro.
– O Teatro
grego era como o de hoje?
– Não. Era
coisa muito mais importante e muito diferente do de agora. Os espetáculos
realizavam-se ao ar livre e só de dia, à beira de encostas de morro, cuja
inclinação servia de arquibancada. Quase nenhum cenário, e em vez de orquestra
havia um coro de cantores ou recitadores. Os artistas usavam máscaras, cômicas
ou trágicas. Ainda hoje, na ornamentação dos nossos teatros, vemos esculpidas
essas máscaras ou caretas gregas.
Atenas
tirara o seu nome do apelido grego da deusa Atena. Por esse motivo os
atenienses resolveram erigir um monumento digno dela, no alto duma colina, o
qual recebeu o nome de Parthenon, ou templo da virgem. Guardem esta palavra,
porque o Parthenon é considerado como a mais perfeita obra prima da arquitetura
antiga.
– Ainda está
de pé, vovó?
–
Infelizmente, não. Subsistem ruínas. Dentro do Parthenon havia uma estátua de
ouro e marfim feita por um escultor chamado Fídias, o qual tem fama de ser o
maior escultor da antiguidade. Essa estátua desapareceu. Foi uma perda de que o
mundo artístico jamais se consolou.
Fídias ainda
fez outras estátuas para ornamento exterior do Parthenon; algumas ainda hoje
são vistas nos museus da Europa, embora bastante mutiladas, esta sem cabeça,
aquela sem braços. Tão célebre ficou Fídias com os seus trabalhos no Parthenon,
que foi convidado para esculpir a estátua de Júpiter erigida em Olímpia. Dizem
os seus contemporâneos que essa estátua era um prodígio de beleza. E devia ser,
pois foi incluída entre as Sete Maravilhas do Mundo.
Apesar de
ser o maior escultor da época, Fídias morreu na prisão por um crime que hoje
nos faz rir. Imaginem vocês que no escudo da estátua de Minerva ele reproduziu,
numa das figuras de certa cena, a sua própria cara e noutra, a cara do seu
amigo Péricles. Pois foi o bastante para ser denunciado como sacrílego, julgado
e condenado à prisão – e na prisão morreu.
– Por falar
em escultura, vovó, li ontem uma história de colunas jônicas e coríntias que
não entendi. Explique-me isso.
– Nos
monumentos gregos havia três espécies de colunas, a coluna dórica, a coluna
jônica e a coluna coríntia. A coluna dórica era a mais simples; tinha no alto o
que chamam capitel, formado como que de um ladrilho tampando um prato fundo; e
em baixo, ou na base, nada tinha – enfiava-se diretamente na terra. A beleza
deste tipo de coluna residia na simplicidade e na ideia de força que dava. Por
isso foi considerada como estilo masculino.
– Desaforo!
Protestou Narizinho.
– A segunda
coluna, a jônica, possuía uma base sobre a qual se assentava; e tinha no
capitel, em vez do prato fundo tampado com o ladrilho, uns ornatos como voltas
de caramujo. Era considerada como de estilo feminino.
– Toma!
Gritou Pedrinho piscando para a menina. Quer dizer que vocês mulheres são
caramujas.
– O terceiro
estilo de coluna, continuou dona Benta, era o coríntio, o mais luxuoso, o mais
enfeitado. A coluna coríntia tinha o capitel cheio de coisas, tais como folhas
de acanto e outras.
– Acanto?
Que é isso?
– Uma planta
da Grécia que ficou célebre nas artes – uma espécie de serralha. Dizem que o
capitel coríntio foi criado do seguinte modo. Um arquiteto, que andava
desenhando colunas, passou um dia pelo cemitério e viu sobre o túmulo de uma
criança qualquer coisa que o impressionou. Os gregos tinham o costume de
depositar no túmulo das crianças cestas de brinquedos, em vez de coroas ou
flores. Naquele havia sido depositada, meses atrás, uma cesta de brinquedos coberta
por um ladrilho. Com o tempo, um pé de acanto nasceu por ali e envolveu a cesta
em suas folhas, formando uma coisa tão linda. Tão linda que o arquiteto parou e
copiou o jeitinho, para depois o aplicar no capitel duma coluna – que ficou
sendo a coríntia.
– Que
interessante, vovó! exclamou Narizinho. Veja como uma coisa puxa outra...
–
Infelizmente, aquele glorioso período da vida grega não durou muito. Veio uma
peste horrível, que dizimou os atenienses, não perdoando nem ao próprio
Péricles. O grande homem dedicara-se demais ao socorro da cidade – e tantos
pestosos recolheu em sua casa, que também apanhou a peste e foi-se...
---
José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948)
Pesquisa: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...