Na arte da palavra escrita, quando se
quer arrastar alguém à via pública da amargura ou colocá-lo na berlinda do
deboche ou do ridículo, basta apelar para o poder acutilante e corrosivo da
ironia.
Para reduzir ao silêncio a mais
perfeita mediocridade e a mais completa criatura entalhada no papelão da
vaidade, não se conhece outra arma mais adequada, aguda, verrumante e incisiva
do que ela.
O escritor que tiver a ventura de
possuir o estilete lampejante da ironia, é temido, admirado e odiado ao mesmo
tempo. Temido e odiado por todos os míseros que são a personificação do
ridículo, da mediocridade e da mais crassa canalhice e que, independentemente
da vontade do criador e do resto da humanidade, vivem a diminuir, a
amesquinhar, a malbaratar com a sua presença os valores da vida e da beleza do
universo.
Sobre o lombo destes desgraçados é que
a seta da ironia penetra gostosamente! E é admirado pelos homens de vida limpa
que sabem viver com uma certa elegância moral e conduta irreprochável.
Destes, a ironia se desvia como uma
esferazinha de borracha e vai bater adiante, onde os medíocres e enfatuados
formam a muralha cinzenta do ridículo.
Os que discrepam da boa conduta e, no
seio da coletividade, claudicam das normas gerais da existência e dos hábitos
comuns, vegetam numa tortura constante e numa inquietação perene, porque sabem
que no momento fatal em que defrontarem um esgrimista da ironia, estão perdidos
para o resto da existência.
Por isso é que os grandes manejadores
dessa arma ocupam, na galeria literária de todos os tempos, um lugar
proeminente.
E séculos e séculos de humano ridículo
engendram número suficiente de ironistas que vão à margem dos costumes, dos
vícios e das virtudes anotando, analisando tudo com a sua pena ferina.
Desgraçado do povo que não contar em
seu seio com alguns desses homens! Alguém já disse que os escritores que
brandem a ironia são maléficos; mas se eles não existissem veríamos a
humanidade reproduzir torpemente o grande dilúvio da era jurássica, com a
diferença de que naquela época todos pareceram sob a inundação de enormes
volumes de água, e agora morreríamos cristianissimamente sob o dilúvio do
ridículo!
---
Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...