Monteiro Lobato, o flamulário da
ironia, é, em terra de Piratininga, uma afirmação esplêndida de rebeldia
literária.
A sua personalidade literária,
solidamente definida e organizada, desde o dia do seu aparecimento, despertou
entusiasmo no ânimo de toda gente, fazendo com que fosse focalizado pela
atenção das camadas cultas, de norte a sul do país. O seu temperamento de
criador que observa, de fantasista que vê a vida em todas as suas amplitudes e
modalidades, e de romântico que conhece as fraquezas lamechas do amor e as
virulências descalabriantes das paixões, sempre se manteve integralizado dentro
de sua personalidade, fiel o mais possível à sua visão e ao seu eu, livre e rebelde a toda e qualquer
influência estrangeira.
Sempre desdenhou as escolas e
menoscabou as atmosferas asfixiantes desses ambientes onde prolifera,
assombrosamente, o cego e minúsculo elogio mútuo e imperam os cânones das artes
e estéticas oficiais. O seu principal característico é a independência, assim
como a sua grande tendência dentro da literatura é a de fazer arte pessoal e
rebelde mas que diga alguma coisa e reflita o mais possível o meio, a terra e o
homem.
Emancipou-se de tudo e de todos!
Conhece a língua portuguesa com
proficiência, e escreve como bem lhe parece, contanto que traduza aquilo que
quer dizer de modo o mais agradável, variado e interessante. Conhece a
literatura francesa profundamente e não se deixou escravizar pelo que ela tem
de medíocre e de sublime. Conhece a Grécia de Homero e de Venizelos, e confessa
francamente que conseguiu matar a Grécia na sua arte. A salvo todas estas
tutelas mentais, ele se pôs de tal modo, e com tanto talento, que o crítico
mais ferrenho e coscuvilheiro não lhe apontará descalabros nem absurdos, por
ter tomado uma atitude hostil contra todos esses padrões estéticos, de
procedência duvidosa, que há muito desindividualizam a maioria dos escritores
brasileiros.
Os bonifrates da crítica choca e os
escritorescos, possuidores de muita formúncula gramatical e de nenhum
temperamento artístico, clamam esturdiosamente que ele abusa do neologismo, do
termo ambíguo e de expressões bárbaras, recém elaboradas no ventre da idiotice
popular!
Tudo isso é verdade! Mesmo porque ele
não escreve para iluminados, e o seu
propósito único é escrever para o povo; por isso o seu vocabulário é
chamejante, as suas expressões são contundentes, argutas, psicológicas,
espirituosas, cáusticas, incisivas, mordazes, audaciosas, demolidoras!
Sendo a sua linguagem viva, agitada,
colorida, consorciada numa perfeita afinidade com o seu temperamento, resultou
um instrumento de expressão original e inconfundível que lhe facilita dizer
tudo com elegância e bom gosto, sem tomar atitudes pernósticas e mirabolantes
de quiosque embandeirado!
Todos os livros de Monteiro Lobato são
caldeados sob a comburência vulcânica de uma certa linguagem aguda e
verrumante, onde o leitor estaciona a cada passo para admirar a gama dos
imprevistos, composta, ora com seu sarcasmo doloroso, ora com o seu humor variado, faceto e salutar, ora com
a sua ironia deliciosamente perversa!
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Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
Fonte:
Rafael Rodrigo Ferreira: "O 'literato ambulante': antologia e estudo da obra de Sylvio Floreal - 1918-1928" (Tese). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2018.
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