São Pedro e a ferradura
Há muita gente que imagina que só
as coisas ricas têm valor e despreza tudo quanto parece de somenos importância.
Ora isto é um erro, porque às
vezes as coisas mais insignificantes podem servir de muito.
Foi o que verificou São Pedro,
quando andava no Mundo na companhia do Mestre.
Iam os dois, um dia, por uma
estrada fora e encontraram uma ferradura. Disse Nosso Senhor Jesus Cristo ao
discípulo:
— Pedro, apanha essa ferradura.
— Ó Senhor, para que a hei de
apanhar, se está velha e ferrugenta? Não serve para nada.
O Mestre não respondeu, mas
deixando o discípulo ir adiante, abaixou-se, sem ele ver, e apanhou a
ferradura.
Chegando a uma cidade por onde tinham
de passar para irem para o seu destino, tornou Jesus Cristo a ficar para trás
e, sem o imprevidente discípulo dar por isso, foi a um ferrador que lhe deu dez
reis pela ferradura. Depois, passando por um sítio onde se vendia fruta,
comprou dez reis de cerejas, que guardou sem o companheiro ver.
Atravessaram a cidade sem
descansar, porque era urgente o que os chamava a outra, ainda mais longe. Pela
estrada fazia um calor de rachar, e o pobre São Pedro, aflito, não fazia senão
suspirar e dizer:
— Se ao menos tivesse qualquer
coisa que me refrescasse a boca, não me custava tanto suportar o ardor deste
dia de verão! — O Mestre sorriu-se e, andando alguns passos adiante, deixou cair
uma cereja, disfarçadamente.
O discípulo viu-a no chão, e, sem
pensar que tinha sido deitada pelo companheiro, abaixou-se, limpou-a do pó e
comeu-a com satisfação.
Assim foram seguindo: o Senhor
sempre semeando as cerejas, e o bom do São Pedro apanhando-as e comendo-as, sem
ver de onde vinham, até que, no fim de se acabar a provisão, lhe disse Jesus
Cristo:
— Que trabalho tiveste em apanhar
as cerejas, Pedro! Melhor farias se tivesses apanhado a ferradura.
— Uma ferradura velha, para que
me servia? As cerejas comem-se e a ferradura não presta para nada.
— Pois se não fosse a ferradura
não tinhas as cerejas.
E contando-lhe o que fizera,
aconselhou-o a nunca desprezar as coisas pequenas, porque sem elas não se pode
ter as grandes.
São Pedro aproveitou a lição, e
daí para diante não tornou a ser imprevidente.
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Fonte:
Ana de Castro Osório: Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa (Editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
Fonte:
Ana de Castro Osório: Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa (Editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
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