Quem tudo quer, tudo perde
Todos os dias lançava as redes,
mas a sorte não o ajudava, porque as redes lhe vinham rotas pelas pedras, e
enquanto a peixe nem um!
Desanimado, dizia mal à sua vida,
mas ia teimando sempre no trabalho. Até que um dia, ao puxar a rede, sentiu-a
tão pesada que a alegria lhe entrou no coração com uma boa esperança.
Mas, ao levantar a rede, com
grande mágoa viu que só um peixe vinha preso nela, e tão pequeno que mal
chegaria para dar de cear à sua família quanto mais para encher o mercado, como
pelo peso julgara.
Nisto, ergue o Peixe a cabeça e
diz-lhe:
— Ó pescador, não me mates. Bem vês
que sou pequeno e pouco poderás aproveitar com a minha morte. Em compensação,
se me deres a vida que te peço, tudo o que desejares será feito, por meu grande
poder mágico.
— Pois bem (respondeu o
pescador), concedo-te a vida, mas com a condição de fazeres com que as minhas
redes venham sempre cheias de bom peixe.
— É justo esse pedido e hoje
mesmo o verás satisfeito.
— Veremos (respondeu o pescador,
desconfiado como todos os infelizes)...
— Não duvides, que eu sou o Gênio
dos Peixes, que só por um mau feitiço aqui estou encarcerado. Quando precisares
de mim, vem aqui e chama-me.
O pescador deitou o Peixe ao mar,
e em seguida lançou as redes, que retirou cheias a mais não poderem.
A alegria do pobre e da família
foi tão grande que nem queriam crer no que viam.
Correram ao mercado e fizeram uma
venda magnífica, trazendo em troca tudo de quanto necessitavam.
E assim foi todos os dias até que
o pescador já era considerado dos mais ricos daquela terra.
Esqueceram os dias maus, porque a
felicidade numa só hora faz esquecer anos de martírio, e até já lhes parecia
pouco o que tinham. Já se envergonhavam de trabalhar, eles que havia pouco
viviam na maior miséria.
Convencido de que tinha pouco e
merecia mais, pelo imenso favor que tinha prestado ao Gênio dos Peixes, foi o
pescador à praia e chamou-o. Imediatamente ele apareceu e perguntou-lhe o que
desejava.
— Poderoso Gênio, é verdade que
eu estou remediado e a minha família vive desafogadamente, devido à vossa
grande proteção. Mas o que é certo, meu nobre Gênio, é que eu trabalho muito e
já estou aborrecido de trabalhar. Bem sabeis, poderoso Gênio, que o favor que
vos prestei não se paga com qualquer coisa.
— Está bem, o que queres, pois?
— O que desejo, Senhor, é uma
casa que seja minha para vivermos bem à vontade, eu e os meus; e uma fortuna
para gozarmos segundo o nosso gosto.
— Serás satisfeito. Vai para casa
e alguma novidade encontrarás.
O pescador dirigiu-se para casa e
ficou surpreendido ao deparar com um magnífico palácio rodeado duma bela quinta
com jardins e mata, e tendo tudo quanto é julgado indispensável na moradia dum
homem opulento.
A família do pescador estava
deslumbrada, não se cansando de descobrir maravilhas na sua nova habitação, e
desfazia-se em bênçãos ao Gênio dos Peixes.
Começou para aqueles felizes uma
vida de gozo e alegria. Não pensavam senão em divertimentos e festas, e mal tinham
tempo de dormir e descansar, pois os passeios, os bailes, os jantares, os
teatros, sucediam-se sem interrupção.
Mas isto, que a princípio os
divertia, começou a enfastiá-los e, cheios de orgulho e ambição, resolveram que
o antigo pescador voltasse ao Gênio dos Peixes para que os fizesse grandes no
poder e no mando, pois já consideravam mesquinha a inútil vida de ricos que
levavam.
Chegou à praia, chamou o seu
amigo e queixou-se da sua infelicidade.
— Que te falta?... Ou tens algum
dos teus, doente?
— Em minha casa todos padecemos,
ou mais ou menos, Senhor. Mas isso já não nos importa porque há bastante
dinheiro para procurarmos médicos e percorrermos águas e banhos. O que
desejávamos era ter uma grande posição no mundo, sermos senhores da política,
governarmos os nossos conhecidos, e mostrarmos-lhes quanto mais valemos do que
eles, e não só por termos dinheiro.
Se os peixes pudessem rir, o bom
do Gênio não poderia suster uma gargalhada. Mas felizmente são peixes, mesmo
quando Gênios. Assim apenas pôde manifestar a sua hilaridade estendendo as
barbatanas e mudando de cor.
Ainda desta vez escutou o pedido
do seu protegido, que na volta de casa encontrou um mensageiro do Rei que o
chamava aos conselhos da Coroa. Em breve, filhos e genros, parentes próximos e
arredados, amigos e conhecidos, tinham os melhores empregos na pública
governança. Pesava nos destinos do País, aquele grande homem!
No entanto, "quem torto
nasce, tarde ou nunca se endireita". O homem que na sua mocidade fora
pescador e pouco ou nada sabia afora a sua arte, que depois passara uma parte
da vida a ganhar dinheiro sem conta e que outra parte a passara em
divertimentos e festas, nada sabia. E era motivo de troça de todos os que,
tendo estudado, compreendiam a completa ignorância do grande influente e de
todos os seus.
Mas a toleima não era tanta que
não visse bem o quanto era desprezado por aqueles mesmos que na sua frente o
elogiavam.
Cheio dum mortal desgosto, foi um
dia até à praia e clamou:
— Valha-me aqui o Gênio dos
Peixes, meu amigo e protetor!...
— Que queres?... (respondeu,
aparecendo imediatamente, o Peixe).
— É que não sou feliz, Senhor!
— Não és ainda feliz? Que desejas
mais?
— Que desejo? Ser um homem ilustrado,
de quem ninguém se possa rir. Que me importa ser rico e poderoso se ninguém me
toma a sério e todos me troçam?!
— Pois, meu amigo, quem tudo quer
tudo perde. Eram um miserável pescador que morria de fome, dei-te trabalho com
fartura. Pareceu-te pouco a dádiva, e quiseste mais. Fiz-te rico e a todos os
teus; não te contentaste com isso e desejaste ser poderoso na sociedade. Fiz-te
ainda essa insignificante vontade. Agora queres ser sábio e julgas-te infeliz
porque não és um homem considerado pela inteligência. Eis a única coisa que não
te posso fazer. A inteligência, meu amigo, é um dom que não se compra por
dinheiro e não se desenvolve sem trabalhar muito e estudar sempre. Mas como
pediste uma coisa impossível, todo o meu poder acabou e tens que voltar a ser o
que eras.
— Mas como poderei eu voltar a
trabalhar, se já não estou acostumado a isso?
— Dá-te por muito feliz se
tiveres sempre trabalho, e consola-te com ele, aprendendo a ser feliz na
pobreza honrada e alegre. Já vês que a felicidade não se compra com dinheiro,
nem com as vaidades do mundo, porque aos ambiciosos nada os satisfaz e quanto
mais têm mais querem.
Desapareceu o Peixe, e o
homenzinho embasbacado ali ficou, até que a noite veio. Então voltou a casa e
com grande espanto seu não encontrou o palácio e as suas riquezas. Muitas
pessoas que encontrou não o conheceram e quando lhes ia a falar voltavam-lhe as
costas. Dali foi à sua barraca à beira-mar, onde encontrou a família possuída
da mais funda mágoa.
Contou o que se passara e todos
se arrependeram da tolice que os tinha lançado na miséria, de que só por feliz
acaso tinham saído. Mas foi tardio, como sempre, o arrependimento, e de nada
lhes serviu, a não ser para ensinamento do futuro.
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Fonte:
Ana de Castro Osório: Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa (Editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
Fonte:
Ana de Castro Osório: Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa (Editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
Avi maria olha o tamanho disso
ResponderExcluire muito grande put4 que p4riu
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