Paixão fatal
Bem
me quer... mal me quer...
Ficou-se,
pensativa, os dedinhos em fuso, com unhas cor de rosa, segurando a pétala
branca, e os olhos negros, de veludo, pregados na areia seca, quase tão seca
como os seus lábios em febre.
Bem
me quer... mal me quer...
Vinham
as ondas morrer na praia, e o seu confuso marulhar, como um sussurro
prolongado, era uma cantilena ao sol poente, a sumir-se no horizonte em chamas.
Bem
me quer... mal me quer...
Misteriosa
é a linguagem das flores, mas repugna acreditar que mintam, e as pessoas que
sabem entendê-las afirmam a segurança dos seus juízos e a propriedade rigorosa
das suas palavras.
Bem
me quer... mal me quer...
Descia
vagarosa a noite, e por sobre o mar infinito estendia-se um longo manto de
névoa pardacenta e tênue, que tornava ainda mais confuso o marulhar das ondas
levemente túmidas que vinham morrer na praia em espreguiçamentos de odalisca
amorosa, a reviver, sonhando, lances de embriaguez voluptuosa.
Bem
me quer... mal me quer...
Ergueu
da areia seca — quase tão seca como os seus lábios em febre, os olhos negros de
veludo, úmidos das abundantes lágrimas que pela face lhe escorregavam, caindo
sobre o seu branco vestido de noiva, tão branco como as pétalas que arrancava
ao malmequer, com os seus dedinhos em fuso, as unhas cor de rosa...
Bem
me quer... mal me quer...
Caminhou,
a passos lentos, calcando a areia seca, para uma luzinha que brilhava ao longe,
hipnotizando-a sem a adormecer, ouvindo o marulhar confuso das ondas, como um
sussurro prolongado, e crendo que uma voz a chamava, lá de longe, de muito
longe, de onde brilhava aquela pequenina luz intensa que a hipnotizava sem a
adormecer.
Bem
me quer... mal me quer...
Teve
um estremecimento quando a primeira onda lhe beijou os pés, desfazendo-se em
espuma, mas foi caminhando sempre, a passos lentos, os olhos presos aquela
pequenina luz que de longe, de muito longe, a hipnotizava sem a adormecer,
crendo que era de lá que partia aquela voz que a chamava, entre súplice e
prometedora.
Bem
me quer... mal me quer...
Aos
primeiros clarões da madrugada, quieto e silencioso o mar, diáfano e roto o
manto de nevoa pardacenta que a noite lançara por sobre as águas, uns
barqueiros que passavam virara o seu corpo, hirto e leve, como se fosse uma
grande flor recortada em neve boiando na placidez de um lago adormecido.
Nos
dedinhos em fuso, as unhas cor de rosa, segurava a última pétala que arrancara à
flor homicida, como se fosse o punhal que vigorosamente cravara no coração,
louca de amor, nos desesperos de não ser amada.
Bem
me quer... mal me quer...
---
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...