Os três grãos de milho
Com medo que ela morresse, andava
muito desconsolado e foi queixar-se a um grande amigo e compadre que tinha.
O compadre ouviu o que ele disse,
ponderou o caso, e respondeu-lhe assim:
— Amigo e compadre, vossemecê não
se fie nessa. Olhe que é impossível a sua mulher viver só com três grãos de
milho. O melhor é experimentá-la. Diga-lhe que vai viajar e suba para o telhado
para espreitar o que ela faz quando está em casa sozinha.
O homem agradeceu o conselho ao amigo
e foi para casa dizer à mulher que ia fazer uma viagem. Ela mostrou-se triste,
lamentando-se muito, mas lá o deixou ir, no dia seguinte de madrugada.
Está bem de ver que, em vez de ir
fazer a tal viagem, o marido subiu para o telhado e arranjou um sítio donde
podia ver e ouvir tudo quanto se passava dentro da sua casa.
A mulher, mal o viu sair, chamou
a criada e ordenou-lhe que imediatamente fosse cozinhar uma sopa de arroz para
o seu almoço, que amassasse um bolo folhado para o seu jantar, e fosse matar um
frango para lhe fazer um ensopado para a ceia.
Almoçou com toda a satisfação o
seu caldinho de arroz e passou o dia alegre e satisfeita, jantando com todo o
apetite a bela torta de folhado. À noite, quando ia sentar-se à mesa para comer
o ensopado, bateram com força na porta da casa.
Era o marido, que, já farto de
estar no telhado todo o dia sem comer, e vendo o logro em que a mulher o trazia
iludido, vinha furioso para lhe pedir explicações.
A mulher, que estava no melhor da
sua ceia, disse para a criada:
— Não abras a porta, que pode ser
algum larápio!
— Ó senhora, olhe que é o patrão
(respondeu a rapariga).
— Isso é que não é, porque ele
saiu para uma grande viagem e não pode estar já de volta.
O marido, de fora, gritava pouco
satisfeito, mas com todo o seu sossego a mulher foi comendo e guardando o
resto.
Quando deixou a criada abrir a
porta já não estavam na mesa o ensopado nem pratos que mostrassem que ela se
tinha regalado com tão bela ceia.
Recebeu o marido com grande
alegria, e perguntou-lhe se tinha gostado da sua viagem e porque motivo voltara
tão depressa.
— Olha, mulher, eu ia satisfeito
para a minha jornada, mas quando cheguei ao meio do caminho sempre começou a
cair uma chuva tão miúda que parecia o arroz que tu comeste no caldo ao almoço.
Se não fosse um chapéu que arranjei, tão grande como o bolo folhado que
jantaste, chegava aqui ensopado como o frango que tu acabas de cear.
Vendo a mulher que ele sabia
tudo, ficou muito envergonhada e nunca mais comeu às escondidas para fingir que
era tão delicada que nem precisava de alimento. E viveram satisfeitos dali para
diante pois já o homem não tinha medo que ela morresse de fraqueza por comer
apenas três grãos de milho em todo o dia.
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Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
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