6/04/2019

Os três grãos de milho (Fábula), de Ana de Castro Osório



Os três grãos de milho

 Havia dois casados que viviam muito bem. Mas o marido tinha um grande desgosto que não o deixava ser completamente feliz. A mulher não comia nada e, por mais que lhe pedissem e suplicassem, não se sustentava senão com três grãos de milho.

Com medo que ela morresse, andava muito desconsolado e foi queixar-se a um grande amigo e compadre que tinha.

O compadre ouviu o que ele disse, ponderou o caso, e respondeu-lhe assim:

— Amigo e compadre, vossemecê não se fie nessa. Olhe que é impossível a sua mulher viver só com três grãos de milho. O melhor é experimentá-la. Diga-lhe que vai viajar e suba para o telhado para espreitar o que ela faz quando está em casa sozinha.

O homem agradeceu o conselho ao amigo e foi para casa dizer à mulher que ia fazer uma viagem. Ela mostrou-se triste, lamentando-se muito, mas lá o deixou ir, no dia seguinte de madrugada.

Está bem de ver que, em vez de ir fazer a tal viagem, o marido subiu para o telhado e arranjou um sítio donde podia ver e ouvir tudo quanto se passava dentro da sua casa.

A mulher, mal o viu sair, chamou a criada e ordenou-lhe que imediatamente fosse cozinhar uma sopa de arroz para o seu almoço, que amassasse um bolo folhado para o seu jantar, e fosse matar um frango para lhe fazer um ensopado para a ceia.

Almoçou com toda a satisfação o seu caldinho de arroz e passou o dia alegre e satisfeita, jantando com todo o apetite a bela torta de folhado. À noite, quando ia sentar-se à mesa para comer o ensopado, bateram com força na porta da casa.

Era o marido, que, já farto de estar no telhado todo o dia sem comer, e vendo o logro em que a mulher o trazia iludido, vinha furioso para lhe pedir explicações.

A mulher, que estava no melhor da sua ceia, disse para a criada:

— Não abras a porta, que pode ser algum larápio!

— Ó senhora, olhe que é o patrão (respondeu a rapariga).

— Isso é que não é, porque ele saiu para uma grande viagem e não pode estar já de volta.

O marido, de fora, gritava pouco satisfeito, mas com todo o seu sossego a mulher foi comendo e guardando o resto.

Quando deixou a criada abrir a porta já não estavam na mesa o ensopado nem pratos que mostrassem que ela se tinha regalado com tão bela ceia.

Recebeu o marido com grande alegria, e perguntou-lhe se tinha gostado da sua viagem e porque motivo voltara tão depressa.

— Olha, mulher, eu ia satisfeito para a minha jornada, mas quando cheguei ao meio do caminho sempre começou a cair uma chuva tão miúda que parecia o arroz que tu comeste no caldo ao almoço. Se não fosse um chapéu que arranjei, tão grande como o bolo folhado que jantaste, chegava aqui ensopado como o frango que tu acabas de cear.

Vendo a mulher que ele sabia tudo, ficou muito envergonhada e nunca mais comeu às escondidas para fingir que era tão delicada que nem precisava de alimento. E viveram satisfeitos dali para diante pois já o homem não tinha medo que ela morresse de fraqueza por comer apenas três grãos de milho em todo o dia.


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Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)

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