Os dois mendigos
Caminhava pela
estrada real um moço de aspecto nobre, feições agradáveis, e trajava de maneira
modesta, porém distinta.
Tinha os cabelos
enrolados em anéis que lhe cobriam o pescoço, e um ar simpático que condizia
bem com a graça natural da sua pessoa.
Seu principal
encanto estava com certeza nos olhos claros, de uma expressão infantil,
penetrados da mais encantadora doçura.
Caminhava distraidamente,
os olhos fixos no chão.
Em sentido
contrario vinham dois mendigos maltrapilhos, as roupas esburacadas, animados aos
bordões, a cabeça caída para a frente, como vergados ao peso dos anos. A idade
e os sofrimentos tinham-lhes arrancado os cabelos, cavado grandes rugas na face
e enfraquecido todos os músculos.
Como tivessem
caminhado muito, tinham os pés inchados e umedecidos do sangue que vertiam;
sentiam fome; estavam extremamente pálidos, os passos trôpegos, os lábios
trêmulos, de modo que nem podiam falar, mas apenas balbuciar como as crianças.
O vento
impiedoso impelia-os para a frente, forçando-os a andar depressa e fazendo-os
tropeçar nos calhaus da estrada.
Quando se
aproximaram do moço, caíram de joelhos, mais por cansaço do que por desejo de
implorar a piedade, e gemeram ao mesmo tempo:
— Uma esmola,
senhor.
O moço sentiu
as lágrimas empanar-lhe a vista e, penetrado de compaixão, apalpou os bolsos;
mas, como encontrasse apenas uma moeda, e a justiça divina manda que se
distribua a esmola em partes iguais, disse com malícia:
— Perdoai-me,
pobres velhos, a vossa miséria sensibilizou minh'alma e acordou soluços em meu
peito; porém não tenho um real para consolar vossos sofrimentos.
Os velhos
levantaram-se.
O primeiro
olhou o rapaz com mal contido rancor, os olhos intumescidos de cólera, e gritou
brandindo o bastão com a pouca de forças que lhe restavam:
— Maldito
sejas tu e malditos todos os teus; que o fogo devore a tua propriedade; que as
águas engulam a nau em que embarcares; que teus afetos pereçam e que um vento
de desgraça passe sobre a desolação da tua existência!
E partiu.
O outro velho
fitou com ternura a face do jovem, e falou-lhe:
— Se feliz,
mancebo, que as minhas mãos tremulas possam tirar de sobre tua fronte as pragas
do meu companheiro; que a tua propriedade seja firme, que as águas sejam mansas
na tua viagem e que a bênção do Senhor esteja sempre suspensa sobre tua cabeça.
Então o moço
tirou do bolso a moeda de ouro e deu-a ao mendigo.
Assim devemos
praticar sempre: nunca devemos dar esmola, principalmente quando o nosso
dinheiro é escasso, sem observar se a pessoa que nos pede é merecedora da nossa
piedade.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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