6/30/2019

O Maníaco (Conto), de Francisca Júlia



O Maníaco
Viam-no sempre por montes e vales, exposto à chuva que lhe encharcava as roupas, ou ao sol que lhe queimava a pele, curvado, com os olhos fixos no chão, como quem procura um objeto perdido.
Na primavera, quando os rosais da cerca estavam floridos, os campos verdes e os passarinhos alegres, cruzando-se no ar numa revoada feliz, o pobre rapaz passava, atravessava as campinas, subia as montanhas, indiferente à beleza da paisagem, os cabelos voando ao vento.
Quando se sentia muito fatigado, sentava-se na ponta de uma pedra e adormecia.
Alimentava-se de frutas silvestres, bebia água á nascente dos ribeiros, e, à noite, abrigava-se debaixo de uma árvore ou no fundo de uma gruta, como um animal selvagem.
Um camponês, que o conhecia, chamou-o um dia e perguntou- lhe com curiosidade:
— Ó rapaz! que é que andas fazendo pelos campos e bosques, todos os dias, exposto ao sol e à chuva?
— Procurando tesouros.
— E tens alguma esperança de achá-los?
— Sim, afirmou o moço com convicção, correndo os olhos pela extensão das campinas.
— É melhor, disse o campônio em tom de conselho, que mudes de vida; tu, nesta faina de procurar tesouros, tornas-te um homem completamente inútil, inapto para o trabalho. É melhor, pois, que te esqueças dos tesouros, que os não há, e procures outro gênero de vida em que aproveites a tua inteligência e o teu trabalho.
— Não, disse o maníaco, se há muitos anos dediquei minha existência à procura de tesouros, é porque tenho certeza de encontrá-los.
— Mas como?
— Uma noite, era eu pequeno ainda, estando adormecido em meu leito, apareceu-me uma fada em sonho, que me falou mais ou menos assim: "Tu estás destinado pela sorte a ser o homem mais rico do mundo, e cuja fortuna te facilitará os meios de vencer os maiores soberanos da terra, de conquistar reinos e mares e dominar sobre tudo com o poder do teu cetro. Legiões inteiras de soldados, vestidos de couraças e armados de lanças, te acompanharão nas conquistas; sobre os mares terás navios embandeirados, infindáveis domínios em terra, e um exército de lacaios, ricamente vestidos, que se hão de curvar, submissos, á voz do teu mando. Para isso, porém, é necessário que, logo que fiques homem, vás por campos e montanhas, planícies e vales, sem medo às tempestades nem às noites, em procura de um incalculável tesouro que a sorte destinou para enriquecer-te". Assim me disse a boa fada, com uma voz firme e segura, inspirada pela fatalidade do Destino.
Hoje sou um homem; cumpre-me obedecer-lhe; e, em quanto não encontrar a fortuna que se acumulou para o meu gozo, irei caminhando sempre, mundo fora, os olhos no chão, as roupas apodrecidas de uso, como um mendigo de estrada.
Dito isto, levantou-se, passeou a vista em torno, curvou a cabeça e partiu.
A noite tinha cabido. A lua, muito clara, apareceu entre as nuvens e inundou os campos com sua luz argêntea.
O maníaco foi seguindo.
"Infeliz rapaz!" pensou piedoso o camponês, acompanhando-o com os olhos. Quantos também não há no mundo que atravessam uma existência inútil, tão inútil talvez como esta, incapazes de trabalhar, esperando que a felicidade os venha procurar no sonho, como este louco que pensa encontrá-la no solo.



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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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