O Maníaco
Viam-no sempre
por montes e vales, exposto à chuva que lhe encharcava as roupas, ou ao sol que
lhe queimava a pele, curvado, com os olhos fixos no chão, como quem procura um objeto
perdido.
Na primavera,
quando os rosais da cerca estavam floridos, os campos verdes e os passarinhos
alegres, cruzando-se no ar numa revoada feliz, o pobre rapaz passava,
atravessava as campinas, subia as montanhas, indiferente à beleza da paisagem,
os cabelos voando ao vento.
Quando se
sentia muito fatigado, sentava-se na ponta de uma pedra e adormecia.
Alimentava-se
de frutas silvestres, bebia água á nascente dos ribeiros, e, à noite,
abrigava-se debaixo de uma árvore ou no fundo de uma gruta, como um animal
selvagem.
Um camponês,
que o conhecia, chamou-o um dia e perguntou- lhe com curiosidade:
— Ó rapaz! que
é que andas fazendo pelos campos e bosques, todos os dias, exposto ao sol e à
chuva?
— Procurando
tesouros.
— E tens
alguma esperança de achá-los?
— Sim, afirmou
o moço com convicção, correndo os olhos pela extensão das campinas.
— É melhor,
disse o campônio em tom de conselho, que mudes de vida; tu, nesta faina de
procurar tesouros, tornas-te um homem completamente inútil, inapto para o
trabalho. É melhor, pois, que te esqueças dos tesouros, que os não há, e
procures outro gênero de vida em que aproveites a tua inteligência e o teu
trabalho.
— Não, disse o
maníaco, se há muitos anos dediquei minha existência à procura de tesouros, é
porque tenho certeza de encontrá-los.
— Mas como?
— Uma noite,
era eu pequeno ainda, estando adormecido em meu leito, apareceu-me uma fada em
sonho, que me falou mais ou menos assim: "Tu estás destinado pela sorte a
ser o homem mais rico do mundo, e cuja fortuna te facilitará os meios de vencer
os maiores soberanos da terra, de conquistar reinos e mares e dominar sobre
tudo com o poder do teu cetro. Legiões inteiras de soldados, vestidos de
couraças e armados de lanças, te acompanharão nas conquistas; sobre os mares
terás navios embandeirados, infindáveis domínios em terra, e um exército de
lacaios, ricamente vestidos, que se hão de curvar, submissos, á voz do teu
mando. Para isso, porém, é necessário que, logo que fiques homem, vás por
campos e montanhas, planícies e vales, sem medo às tempestades nem às noites,
em procura de um incalculável tesouro que a sorte destinou para enriquecer-te".
Assim me disse a boa fada, com uma voz firme e segura, inspirada pela
fatalidade do Destino.
Hoje sou um
homem; cumpre-me obedecer-lhe; e, em quanto não encontrar a fortuna que se acumulou
para o meu gozo, irei caminhando sempre, mundo fora, os olhos no chão, as
roupas apodrecidas de uso, como um mendigo de estrada.
Dito isto,
levantou-se, passeou a vista em torno, curvou a cabeça e partiu.
A noite tinha
cabido. A lua, muito clara, apareceu entre as nuvens e inundou os campos com
sua luz argêntea.
O maníaco foi
seguindo.
"Infeliz
rapaz!" pensou piedoso o camponês, acompanhando-o com os olhos. Quantos
também não há no mundo que atravessam uma existência inútil, tão inútil talvez
como esta, incapazes de trabalhar, esperando que a felicidade os venha procurar
no sonho, como este louco que pensa encontrá-la no solo.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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