O lobo e a mãe do menino
Era uma vez um menino muito
esperto e vivo, mas por demais turbulento e desinquieto. Com isto arreliava a
mãe que muito lhe queria, mas não tinha descanso com ele.
Quando estava em casa, mexia em
tudo, saltava para cima das mesas, parava o pêndulo do relógio, debruçava-se
das janelas, e atormentava o gato caseiro, com puxões na cauda e outras
pirraças. Fazia, enfim, tantas e tais diabruras que a mãe, muitas vezes, se
zangava e lhe dizia:
— Se continuas a ser mau, um dia
chamo o lobo que te há de comer.
Em vez de se emendar, o menino
endiabrado fugia para o quintal, perseguia a criação, quebrava os ovos na
capoeira, abria a torneira da água, berrava como um louco, fazia todas as
maldades que podiam afligir a pobre mãe. Nada conseguindo com os seus conselhos
e castigos, voltava a mãe a ameaçá-lo, para o aquietar:
— Se continuas assim, um dia
chamo o lobo para te comer.
Tantas vezes repetiu esta ameaça
que por fim o gato, vítima dos maus tratos do menino, acreditou que ela a
cumpriria, e resolveu livrar-se, o mais cedo que pudesse, do seu perseguidor.
Tirou-se dos seus cuidados e preguiça, e certa noite, escapando-se de casa,
correu a uma serra onde vivia um grande lobo feroz.
De longe, mal viu o lobo,
gritou-lhe:
— Compadre lobo, venho como
amigo, dar-te uma boa notícia.
E depois de virem à fala,
explicou-se:
— A minha dona tem um filho muito
mau que faz mil disparates e não me deixa sossegado. E a mãe está sempre a
dizer que um dia te chama para o comeres. Vê se aproveitas, e me dás assim o
sossego perdido.
— Tudo isso é verdade, compadre
gato?
— Tudo verdade (tornou o gato à
pergunta do lobo). E mais, não entres em casa da minha dona, sem que tu mesmo a
ouças chamar-te para te entregar o filho e o comeres.
— Assim farei, compadre gato. E
muito obrigado te fico por teres vindo avisar-me de tão longe. Amanhã, ao cair
da noite, descerei ao povoado, e lá irei ver o que me quer a mãe desse teu
perseguidor.
Separaram-se os dois, com muitas
amizades, seguindo cada um o seu caminho, e pensando ambos no gosto que teriam,
o lobo comendo o menino, e o gato vendo-se livre das suas pirraças.
Na noite seguinte, quando o
pequeno estava pior do que nunca, a mãe, bradando, ameaçou-o:
— Deixa, deixa, que um dia chamo
o lobo, que te há de comer!
Mal ouviu isto, o lobo saltou de
contente e, batendo com força na porta da casa, uivou:
— Aqui estou! Aqui estou ao teu
chamado!...
O pequeno ficou como louco de
medo. E então a mãe foi buscar um machado para matar o lobo, atirou-lhe com
água para cima do lombo, insultou-o, e chamou os vizinhos para a ajudarem a
castigar o malvado que lhe queria levar o seu filhinho. E para este dizia:
— Descansa, meu menino, que
havemos de matar o lobo!
Então, maltratado e perseguido
por aquela mulher sem medo, que, de machado em punho, clamava pela vizinhança
contra o assassino traidor, o lobo deitou a fugir, dizendo:
— Que tal foi a aventura!... Não
querem lá ver?!... Esta mulher é das tais que diz uma coisa e faz outra.
E, já longe e livre do perigo em
que se metera, ia repetindo:
— O compadre gato não mentiu, mas
eu
é que fui tolo em acreditar em
falas de mulheres!
O gato não ficara menos espantado
com a mudança repentina da sua dona. Mas depois, matutando que não é fácil aos
animais compreenderem o que sentem os seres humanos, acabou por concluir que as
ameaças de mãe não saem do coração.
E lamentava-se, lá para consigo:
— Fui desleal para com a minha
dona e, sem querer, fiz mal ao compadre lobo. E não ganhei o meu sossego!
Mas nisto se enganava o gato,
porque, desde então, o menino começou a emendar-se. E muito mais por amor da
mãe que, por sua causa, vira enfrentar corajosamente o lobo, do que por todo o
medo que tivera ao sentir perto o perigo em que jamais acreditara.
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Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
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