6/03/2019

O lobo e a mãe do menino (Fábula), de Ana de Castro Osório


O lobo e a mãe do menino

Era uma vez um menino muito esperto e vivo, mas por demais turbulento e desinquieto. Com isto arreliava a mãe que muito lhe queria, mas não tinha descanso com ele.

Quando estava em casa, mexia em tudo, saltava para cima das mesas, parava o pêndulo do relógio, debruçava-se das janelas, e atormentava o gato caseiro, com puxões na cauda e outras pirraças. Fazia, enfim, tantas e tais diabruras que a mãe, muitas vezes, se zangava e lhe dizia:

— Se continuas a ser mau, um dia chamo o lobo que te há de comer.

Em vez de se emendar, o menino endiabrado fugia para o quintal, perseguia a criação, quebrava os ovos na capoeira, abria a torneira da água, berrava como um louco, fazia todas as maldades que podiam afligir a pobre mãe. Nada conseguindo com os seus conselhos e castigos, voltava a mãe a ameaçá-lo, para o aquietar:

— Se continuas assim, um dia chamo o lobo para te comer.

Tantas vezes repetiu esta ameaça que por fim o gato, vítima dos maus tratos do menino, acreditou que ela a cumpriria, e resolveu livrar-se, o mais cedo que pudesse, do seu perseguidor. Tirou-se dos seus cuidados e preguiça, e certa noite, escapando-se de casa, correu a uma serra onde vivia um grande lobo feroz.
De longe, mal viu o lobo, gritou-lhe:

— Compadre lobo, venho como amigo, dar-te uma boa notícia.

E depois de virem à fala, explicou-se:

— A minha dona tem um filho muito mau que faz mil disparates e não me deixa sossegado. E a mãe está sempre a dizer que um dia te chama para o comeres. Vê se aproveitas, e me dás assim o sossego perdido.

— Tudo isso é verdade, compadre gato?

— Tudo verdade (tornou o gato à pergunta do lobo). E mais, não entres em casa da minha dona, sem que tu mesmo a ouças chamar-te para te entregar o filho e o comeres.

— Assim farei, compadre gato. E muito obrigado te fico por teres vindo avisar-me de tão longe. Amanhã, ao cair da noite, descerei ao povoado, e lá irei ver o que me quer a mãe desse teu perseguidor.

Separaram-se os dois, com muitas amizades, seguindo cada um o seu caminho, e pensando ambos no gosto que teriam, o lobo comendo o menino, e o gato vendo-se livre das suas pirraças.

Na noite seguinte, quando o pequeno estava pior do que nunca, a mãe, bradando, ameaçou-o:

— Deixa, deixa, que um dia chamo o lobo, que te há de comer!

Mal ouviu isto, o lobo saltou de contente e, batendo com força na porta da casa, uivou:

— Aqui estou! Aqui estou ao teu chamado!...

O pequeno ficou como louco de medo. E então a mãe foi buscar um machado para matar o lobo, atirou-lhe com água para cima do lombo, insultou-o, e chamou os vizinhos para a ajudarem a castigar o malvado que lhe queria levar o seu filhinho. E para este dizia:

— Descansa, meu menino, que havemos de matar o lobo!

Então, maltratado e perseguido por aquela mulher sem medo, que, de machado em punho, clamava pela vizinhança contra o assassino traidor, o lobo deitou a fugir, dizendo:

— Que tal foi a aventura!... Não querem lá ver?!... Esta mulher é das tais que diz uma coisa e faz outra.

E, já longe e livre do perigo em que se metera, ia repetindo:

— O compadre gato não mentiu, mas eu

é que fui tolo em acreditar em falas de mulheres!

O gato não ficara menos espantado com a mudança repentina da sua dona. Mas depois, matutando que não é fácil aos animais compreenderem o que sentem os seres humanos, acabou por concluir que as ameaças de mãe não saem do coração.

E lamentava-se, lá para consigo:

— Fui desleal para com a minha dona e, sem querer, fiz mal ao compadre lobo. E não ganhei o meu sossego!

Mas nisto se enganava o gato, porque, desde então, o menino começou a emendar-se. E muito mais por amor da mãe que, por sua causa, vira enfrentar corajosamente o lobo, do que por todo o medo que tivera ao sentir perto o perigo em que jamais acreditara.


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Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)

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