O doutor grilo
— Sabes que mais, vou-me fazer
adivinhão!
— Como há de ser isso? Tu, que
não sabes o que se passa, como hás de adivinhar o que está para acontecer?
— Espera, vou esconder a vaca do
nosso compadre, e depois, quando ele andar muito aflito a procurá-la, vou-lha
buscar e digo que adivinhei. Assim é que se faz para ganhar fortuna.
A mulher começou a rir-se da sua
ideia; mas ele não quis saber, e foi a casa do compadre, tirou-lhe a vaca e
esperou os acontecimentos. O compadre, quando deu pela falta do animal,
arrepelou-se e gritou, perguntando a toda a gente se teriam visto a sua
vaquinha.
— Olhe, compadre (disse o Grilo),
eu tenho uma voz cá por dentro que adivinha tudo. E então eu vou pensar e
depois lhe direi onde está a sua vaca escondida. —
Fingiu que estava a pensar e de
repente gritou:
— Tate! Já sei onde está.
Disse o sítio em que a tinha
guardado. Foram lá buscá-la, e o compadre deu-lhe boas alvíssaras. Começou a
correr logo a fama de que tinha aparecido um novo doutor, chamado Grilo, que
era um grande adivinhão.
A notícia correu mundo, até
chegar ao palácio do Rei.
Ora acontecia que do Tesouro
desaparecera uma grande riqueza. Foi logo chamado o doutor Grilo para dizer
quem fora o ladrão, no prazo de três dias, sob pena de ser morto se o não
adivinhasse.
O homem dizia mal à sua vida e
dava ao demônio a ideia que tivera de se fazer adivinhão, mas era tarde para
reconsiderar. Já agora tinha que se calar e resignar-se a morrer.
Levaram-no para um quarto,
fecharam-no a sete chaves, e disseram-lhe que pensasse até saber o nome do
ladrão.
No primeiro dia mandaram-lhe o
jantar por um criado de toda a confiança do Rei. O pobre Grilo, muito triste,
pensando somente na sentença de morte, disse:
— Um já lá vai! Não me faltam
senão dois!
Referia-se aos dias que tinha de
vida, mas o criado, que tinha culpas no cartório, ficou atemorizado e foi dizer
a dois companheiros seus:
— Sempre é certo. O homem é
adivinhão, pois quando me viu, disse que um dos ladrões já ele conhecia e só
lhe faltavam dois.
No dia seguinte veio o segundo
criado trazer-lhe o jantar, e o doutor Grilo suspirou com mágoa vendo que lhe
ia fugindo o tempo:
— Dois já eu cá tenho! Agora só
falta o terceiro!...
O criado correu espavorido a
prevenir os companheiros.
Ao outro dia foi o terceiro
criado levar-lhe o comer, e o pobre doutor gritou, quando o viu:
— Ai, o terceiro, o terceiro, que
já eu cá tenho!...
O criado, ouvindo isto, caiu de
joelho diante dele, pedindo por todos os Santos e Santas da corte do Céu que
não os denunciasse senão com a promessa do Rei lhes poupar a vida, pois tinham
sido eles três os ladrões do tesouro real.
O doutor Grilo, contentíssimo
como pode imaginar-se duma pessoa que já contava morrer e se vê salva, prometeu
o que lhe pediam aqueles desgraçados, e no dia seguinte apresentou-se muito
soberbo diante do Rei e de toda a Corte reunida.
— Então (disse-lhe o Rei) quem é
o ladrão do meu tesouro?
— Não é um. São três os ladrões.
Já sei os seus nomes, Senhor, mas só os direi com a condição de que os
deixareis ir em paz. — O Rei prometeu, e então apresentou-lhe ele os três criados
infiéis, que tudo confessaram, entregando o que lhes não pertencia. Foram
expulsos da Corte, mas, para cumprimento da palavra real, não tiveram mais
castigo.
O Rei mandou entregar uma boa
soma de ouro ao doutor Grilo que muito queria voltar para a aldeia onde era
esperado pela mulher e pelos filhos, e onde estaria muito mais seguro. Mas o
Rei, querendo experimentar melhor a sua habilidade, não deixou que ele se fosse
logo embora.
Um dia levaram ao Palácio, de
presente, uma porca dentro de um saco, e o Rei mandou chamar o adivinhão e
perguntou-lhe se era capaz de saber o que estava ali dentro.
Olhou o doutor Grilo, por um lado
e por outro, mas, como não podia tocar no saco e
o animal não dava sinais de si,
voltou-se para o Rei e disse muito atrapalhado:
— Aqui é que a porca torce o
rabo!
— Adivinhaste, é uma porca. És de
fato, um sábio adivinhão!
Mas o Rei ainda não ficou desta
vez convencido completamente da esperteza do homem, e um dia em que andava no
jardim, apanhou um grilo, fechou-o na mão e disse para o famoso doutor:
— Se me disseres o que eu tenho
aqui dou-te muito dinheiro.
O homem, que mal podia imaginar o
que era, deu tratos e mais tratos ao juízo sem ser capaz de adivinhar. Muito
descoroçoado, disse para si mesmo:
— Ai Grilo, Grilo, em que mão
estás metido!
— Adivinhaste (bradou o Rei,
muito contente) é um grilo.
E abrindo a mão deixou fugir o
pobre animal.
Então acreditou na sabedoria do
doutor Grilo, deu-lhe grande soma de dinheiro, e deixou-o ir para casa, mas com
a condição de que viria à Corte sempre que desconfiasse que alguém o roubava ou
lhe era infiel.
O homenzinho viu-se livre daquela
aflição constante, e ainda lhe parecia mentira.
Afinal não foi preciso voltar à
Corte, porque dali em diante todos tinham receio de que se soubessem os seus
crimes e todos se portavam com muita honradez.
E assim o doutor Grilo viveu
contente e rico o resto dos seus dias, na companhia da mulher e dos filhos que
muito estimava, e muito bem educou e colocou na vida.
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Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
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