O Curandeiro
Cristo andava
passeando em companhia de São José pelas ruas de uma aldeia, parando diante de
cada porta a observar o trabalho de cada um.
Viu um ferreiro
que dirigia imprecações contra o céu, porque o fogo da forja não era bastante
forte para abrandar o ferro; um mercador sentado em uma pedra a contar o
dinheiro ganho com usura; um ladrão que passava, de ar humilde de mendigo do
templo, esfarrapado e imundo, ocultando sob os andrajos o produto do seu roubo;
viu com horror alguns garotos apedrejando um velho estropiado; cães sem dono,
magríssimos, uivando de fome pelas ruas, e lazarentos raspando as chagas com
cacos de telha.
— Que gente
ímpia! disse Jesus ao seu companheiro. São José abaixou o rosto, sem dizer
nada, como se se sentisse envergonhado diante de tanta impiedade.
E foram
caminhando, devagar, pelas tortuosas ruas da aldeia.
— Cada homem
destes, falou Cristo, tocado de compaixão, se é rico, é perverso e cruel; se é
pobre, é um revoltado da sorte, que vive a maldizer a pobreza. Parece que um
gênio mau ou que a cólera divina derramou sobre esta miserável terra o aluvião
de todos os pecados. Pobre gente!
— Bem difícil
seria arrastá-la ao bom caminho.
— Impossível
quase, murmurou Jesus; mas, enfim, para que se não diga que a nossa visita foi
inútil e sem proveito, vamos ensinar a virtude com o bom exemplo ao primeiro
que aparecer.
Nesse instante
eles tinham passado diante de uma porta onde um curandeiro se anunciava com
grandes gritos, dizendo-se milagroso.
Pararam.
Cristo ouviu
o seu pregão e perguntou-lhe:
— Em que
consistem as vossas curas milagrosas, e por que é que vos apregoais como o
primeiro curandeiro do mundo? Que virtudes têm os vossos remédios e a vossa ciência?
Que mágico vos ensinou tanta sabedoria? Mostrai-me vossas virtudes todas, para
que eu vos acredite.
O homem
começou a enumerar, com orgulho, as curas que praticara:
— Com óleo de
oliva, a que misturei umas preparações, de que eu só guardo o segredo, curei um
leproso em poucos dias; concertei a perna a um estropiado; dei vista a um cego
e voz a um mudo; uma pobre mulher, que há muitos anos gemia no fundo do leito,
ergueu-se e está hoje sã com os remédios que lhe dei. Tenho bálsamos para as
feridas, óleos para as queimaduras, alívio para as dores, pós para as lepras e
colírios para todas as doenças de olhos.
— Sois, na
verdade, muito sábio; porém, por mais prodigiosas que sejam as vossas curas,
nunca vos esqueçais de que o mundo é grande e nele devem haver homens de
sabedoria igual ou superior à vossa.
— Igual,
talvez; mas superior, não, afirmou com a natural soberba.
— Vejamos,
pois, disse Cristo. Aqui está um homem (e apontou para o seu- companheiro) que,
desde a infância, tem uma enorme chaga que lhe cobriu a perna inteira e o faz
estorcer-se de atrozes dores. Vede se podeis curá-lo.
São José, que
já estava prevenido ou tinha adivinhado a intenção do Mestre, ergueu a ponta do
manto que o cobria e mostrou a perna, muito inchada e toda coberta de chagas
vermelhas e roxas.
O curandeiro
olhou com repugnância e untou a perna de São José com uns óleos frescos e
perfumosos.
O Santo
começou a gemer de dor, e grossas lágrimas lhe molharam as barbas.
O homem falou:
— Impossível
curá-lo. Essas feridas são tão velhas que se radificaram por todo o corpo.
Podeis seguir o vosso caminho, infeliz peregrino, que não encontrareis cura em
parte alguma.
Cristo, então,
disse-lhe:
— Vós nunca
soubestes curar. O que não puderam fazer os vossos óleos, faço eu com um gesto.
Passou a mão
de manso sobre as feridas de São José, e curou-as imediatamente.
O curandeiro
caiu de joelhos, assombrado.
— Quem sois
vós, senhor, que sabeis obrar tão grandes prodígios e milagres como estes?
— Um pobre
peregrino, respondeu Cristo, com sua evangélica modéstia e religiosa humildade,
que anda pelo mundo a aliviar as dores e sofrimentos humanos.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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