O conselho judicioso
Isto passou-se na primeira
quarta-feira de maio de um ano que já lá vai, no tempo em que ainda se usavam
os cruzados novos.
Dois compadres, que eram muito
amigos, resolveram ir a uma feira comprar algumas coisas que precisavam para
casa. Mas, logo na primeira taverna, pararam e entraram. E só depois de bem
confortados com pão, azeitonas e vinho, tornaram a pôr-se a caminho.
Como iam quentes da bebida, que
era boa e lhes subira à cabeça, não se cansavam de contar casos dos seus tempos
de rapazes e de muito rir e cantar, pela estrada fora.
Até que, chegando a um pinhal,
ouviram cantar o cuco e logo ambos se puseram a questionar. Dizia o mais velho:
— Olha como o cuco canta bem!
Aquilo é para mim.
— Isso é que não! Estás
redondamente enganado. Ele canta mas é para mim.
E, dize tu, direi eu, nesta birra
estiveram muito tempo, até quase chegarem às do cabo.
Já se preparavam para se
esmurrarem um ao outro, quando o primeiro lembrou:
— Ó compadre, que vamos nós
fazer? Nós não sabemos nada, e por isto nunca chegaremos à razão. O melhor é
irmos à vila consultar o Letrado. Que eu tenho a certeza de não me enganar! Mas
vamos lá ver!
— Pois vamos. Com muito gosto
pagarei o conselho, pois tenho a certeza que me dará razão.
— Isto é o que veremos!...
— Não há dúvida...
E assim foram questionando, e já
se dispunham a nova guerreia, quando chegaram a casa do Advogado. Entraram e
cumprimentaram com muito respeito o senhor doutor, que sem dizer nada, os foi
ouvindo.
Dadas por ambos as suas razões, o
bom do advogado tirou a caixa do rapé, sorveu uma pitada com sossego, e disse:
— Meus amigos: um bom Letrado
nada pode julgar sem ver a cara ao Rei. Ponham ali cada qual seu pinto.
Os homens tiraram o dinheiro do
bolso e apresentaram-no ao Letrado, que imediatamente o passou para a sua
algibeira, dizendo, com toda a gravidade:
— Vão em paz, meus amigos, que o
cuco nem cantou para um nem para o outro. Cucou e recucou mas foi para mim!
Os dois palermas agradeceram ao
Letrado, que tão bem sabia de leis, e saíram satisfeitos, com o seu pinto de
menos, mas contentes por cada um ter a certeza de que o outro não vencera.
Sempre é uma consolaçãozinha, para um teimoso, saber que, se não tem razão
nenhuma, também o seu adversário não a tem.
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Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
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