O compadre do Diabo
Ora esse compadre era nem mais
nem menos do que o senhor Diabo, mas o homenzinho não sabia quem ele era, e
estimava-o bastante.
Um dia veio o Diabo ter com o
compadre e disse-lhe:
— Tu és muito pobre e eu tão rico
e poderoso que nem sei o que possuo de meu. Tenho dó de ti e lembrei-me de
entrarmos a meias num negócio. Eu dou-te um grande campo, tu arroteias e cavas,
e semeias o que entenderes, mas com a condição de ser meu o que ficar debaixo
da terra e o que ficar por cima ser teu.
— Está dito, senhor compadre.
Para a colheita venha buscar o seu ganho.
O homem percebera, ou lhe disse o
coração que, por aquele contrato, o compadre o queria enganar. Foi para o
campo, arroteou-o, cavou-o, e fez uma grande sementeira de trigo.
A seara cresceu e produziu que
foi uma lindeza. Chegado ao tempo próprio, chamou gente, fez a ceifa, malhou,
debulhou, secou e recolheu o seu grão, ficando muito satisfeito com a colheita
do ano.
Passados dias, quando o Diabo
chegou para levar a sua parte, disse-lhe o homenzinho:
— Olhe, compadre, vamos lá ao
campo, que a sua parte ninguém lha tira.
Foram, mas quando o Diabo viu o
restolho muito amarelo e as raízes secas ficou muito zangado e gritou que o
compadre o tinha enganado.
— Ora essa! Então o senhor
compadre não me disse que tudo quanto ficasse por cima da terra era meu e que
as raízes eram para si?! Não faltei ao combinado.
— Bom, o que está feito, feito
está. Mas agora já me não serve o contrato. Se queres ser meu sócio, há de ser
às avessas. O que crescer para cima da terra é que será para mim, e as raízes
serão para ti.
O campônio aceitou o negócio e
tratou de arranjar o seu campo para a sementeira seguinte. Combinou com a
mulher, e dessa vez foi batatas o que eles semearam. Chegou o tempo e o batatal
pôs-se de modo que era a inveja de toda a gente.
Quando chegou a época própria de
arrancar as batatas, era cada uma que enchia um prato. E tantas, tantas, que
não se cansavam de medir alqueires.
Veio o compadre buscar a sua
parte dos lucros e o lavrador entregou-lhe a rama seca e inútil dizendo:
— Aqui tem o seu quinhão, senhor
compadre.
O Diabo, vendo-se enganado, ficou
furioso e disse-lhe:
— Ai tu estiveste a mangar
comigo? Pois então havemos de nos bater às unhadas, para vermos quem fica
senhor do campo e das colheitas. Prepara-te, pois, para quando eu voltar.
O homem, que já sabia então com
quem falava, ficou varado de susto e foi para casa contar à mulher o sucedido.
— Não te rales, deixa-o comigo,
que eu o ensinarei (disse-lhe a mulher).
No dia em que devia aparecer o
seu compadre, agora inimigo, escondeu-se o homem muito bem e ficou a mulher só
em casa. Nisto o Diabo que bate à porta com toda a fúria, gritando:
— Aqui estou eu para irmos à
luta! — Responde a mulher de lá:
— Ah, é vossemecê, senhor
compadre? Entre, entre, e sente-se aqui para conversarmos antes que venha o meu
homem. Ele foi amolar as unhas para quando forem a essa luta. Eu, senhor compadre,
não lhe queria estar na pele. O meu homem sempre dá cada unhada que é da gente
ficar com cicatriz para toda a vida. Olhe, a primeira que ele me deu foi
esta...
E mostrou tal ferida que o senhor
Diabo fugiu pela porta fora com medo das unhas do compadre, e nunca mais
voltou.
Os dois ficaram-se a rir, ricos e
satisfeitos, à custa do grande espertalhão que se julga capaz de enganar todos
os mortais.
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Fonte:
Ana de Castro Osório: Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa (Editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
Fonte:
Ana de Castro Osório: Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa (Editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
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