O Cão
Alfredinho
possuía um cão que se chamava Lobo.
Era grande como os maiores da sua raça, o pelo crespo, inteiramente negro e
dotado de uma coragem e força que o faziam temido por todos.
À noite,
quando o soltavam no quintal, Lobo
escondia-se na sombra dos muros, e aí ficava, imóvel e alerta, à espera dos
ladrões. Mas estes, que lhe temiam a ferocidade, não se arriscavam a galgar o
muro.
Entanto este
cão, apesar do seu aspecto feroz, dos seus olhos sanguíneos e duros, que fitavam
tudo com aspereza, e da sua boca rasgada, guarnecida de dentes afiados, era
manso como um cordeiro para o seu pequeno amo, que lhe alisava o pelo e lhe
dava beijos no focinho.
Viam-nos
sempre juntos, Alfredinho e Lobo,
amigos inseparáveis, — aquele, mal sustentando-se nas perninhas fracas, este,
ostentando sua corpulência de fera. Às vezes iam passear juntos até ao campo, e
Lobo acompanhava o seu amiguinho,
seguindo-lhe todos os movimentos, obedecendo a todos os seus gestos, num desejo
de adivinhar os seus mais ínfimos pensamentos.
Alfredinho,
com ser uma criança de cinco anos apenas, compreendia esta dedicação e
retribuía ao seu amigo do mesmo modo, tratando-o com o maior carinho,
zangando-se com os criados se lhe davam uma ração pequena ou se lha davam com
grosseria.
Certa vez, um
homem rico, muito amante de cães, dirigiu-se ao pai de Alfredinho e ofereceu-lhe
uma soma avultada para a compra de Lobo.
O pai
recusou-se a vendê-lo, dizendo:
— Este cão é o
melhor amigo do meu filho, acompanha-o por toda a parte. Se algum dia este
digno animal perecer, meu filho não poderá sobreviver-lhe, tal será o desgosto
que há de sentir.
O homem foi-se
embora, não sem ter lançado de soslaio um olhar invejoso sobre o cão.
De fato, não
havia ninguém que não admirasse Lobo,
o seu corpo volumoso ornado de um pelo crespo e macio, as suas patas enormes
armadas de unhas pontudas e curvas, como as de um leopardo, e o seu peito largo
e forte como uma couraça.
Alfredinho,
quando tinha três anos, era um menino doente, extremamente débil.
Seu pai, que o
amava muito, fazia-lhe todas as vontades, satisfazia-lhe todos os desejos, com
medo de contrariá-lo ou aborrecê-lo. Alfredinho, porém, dotado de sentimentos
generosos e boa alma, nunca abusou, como fazem geralmente as crianças da sua idade,
das delicadezas de que era cercado.
Nessa época,
num dia de muita chuva, em que o vento passava impetuosamente em uivos
prolongados, Alfredinho, trêmulo de susto, ouviu um gemido triste que vinha da
rua. Mandou ver o que era.
— Era um cão
muito magro, disseram, e coberto de lepra.
Alfredinho, piedoso como era, pediu ao pai com os olhos cheios de lágrimas que recolhessem
o pobre cão, que lhe dessem agasalho.
O cão entrou,
encharcado da água da chuva, tremendo de frio. Seu aspecto era repugnante:
magríssimo, as costelas salientes, imundo e coberto de lepra.
Todos recusaram-se
a recebê-lo.
O menino tanto
insistiu, chorou e bateu o pé, que o pai resolveu, não sem escrúpulo e nojo,
ficar com o cão.
Deram-lhe o
nome de Lobo pelo ar selvagem que
tinha.
Pouco a pouco,
alimentando-se bem, sujeitando-se ao tratamento da lepra que lhe cobria o pelo,
o cão foi engordando, e em pouco tempo tornou-se um animal lindo e afagado por
todos.
Durante o dia
seguia Alfredinho aos passeios, sacudindo a cauda, fazendo-o rir com suas
graças; à noite soltavam-no no quintal para defender as galinhas e as
hortaliças do assalto dos malfeitores.
O seu pequeno
amo, uma manhã, depois de haver pedido licença ao pai, convidou-o a um passeio
ao campo, para caçar borboletas e cigarras.
O cão
acompanhou-o.
Alfredinho
corria pelos atalhos, escondia-se nas touças de verdura, tentando iludir a
vigilância de Lobo.
Cansado,
porém, de tanto brincar, deitou-se na relva e adormeceu.
O cão
deitou-se também, alerta sempre contra qualquer perigo, disposto, se fosse
preciso, a defender o seu querido amiguinho.
Nesse instante
uma cobra traiçoeira, arrastando-se por entre as folhas, aproximou-se do lugar
em que estavam, pronta para picar a criança e matá-la com sua peçonha mortal.
Lobo, que a tinha pressentido, voltou-se
de repente e atacou-a em botes furiosos.
Matou-a.
Enquanto a serpente estava estrebuchando no chão, crivada de dentadas, o cão,
que tinha sido picado, gemia, penetrado de dores lancinantes.
Pobre e fiel
animal!
Minutos após, Lobo, rojando-se no chão, esgotado de
forças, chegou até onde estava o seu amiguinho, lambeu-lhe as mãos
carinhosamente e morreu num doloroso gemido.
---
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...