O Amor do Sacristão
Naquele dia,
o pobre alucinado estava mais triste do que nunca.
Parecia
balbuciar palavras entrecortadas de pranto e raiva, quando dispunha na sacristia
as vestes sacerdotais. O padre olhava atônito o definhamento progressivo do seu
acólito, e por algumas vezes o interrogou a esse respeito, ao que ele respondia
como melhor lhe convinha.
Chegara o
momento dele o acompanhar, e manifestou-se no seu rosto um não sei quê de
consolação, tão pronunciada, que o idoso sacerdote teve umas desconfianças, que
mais tarde veio a sopor como a causa da sua tristeza indefinida.
O órgão, num
choro monótono e soturno, convidava os fiéis à oração. Nesse dia afluíra à igreja
uma multidão mais compacta do que de costume.
Nas
varandas, os olhares das velhas matronas seguiam os menores movimentos das
filhas, de olhar piedoso e santo, e de lábios nacarados, como as frescas rosas de
Alexandria. Na capela-mor vagueava, de envolto com os aromas das violetas,
pendentes dos seios das crianças, um tom religioso, que mais se manifestava,
quando dentre a multidão saíam alguns suspiros ou soluços contrafeitos,
arrancados, talvez, do peito de alguma desventurada que procurava alívio na
prece — a companheira dos crentes.
Distraídos,
os assistentes não observavam uma cena, verdadeiramente interessante, passada
entre o sacristão timorato e uma loira, encoberta pelas bondosas mamãs.
Desgraçado
rapaz! Enamorara-se de uma criança que o desprezava talvez mais do que desprezam
o rochedo, cismando, entre as ondas murmurantes, os frêmitos das espúmeas
vagas, tentando, em vão, abalá-lo.
Desgraçado
rapaz! Nem pensava — tal era o seu amor! — que ajudava à missa, e seu rosto
estava sendo o espelho do que lhe ia no coração, subjugado pelos risos tentadores
de Cupido. Era tal a atração do olhar melancólico da pálida virgem, que o moço,
embebido na contemplação das suas faces aveludadas, não atendia aos seus
deveres.
Era já
adiantada a missa, e ele ainda não ousara receber de um olhar da virgem
satisfação e alento para uma semana e, quem sabe, se para sempre!
Eu não sou
dos que conheço o amor de alguém, contemplando-lhe o olhar triste ou alegre, a
face pálida ou rosada; no entanto a posição desalentada da cabeça, os suspiros
que, de quando em quando, exalava, parecendo murmurar um nome, o olhar cheio de
inocência, pureza e santidade, buscando, talvez, na face do Cristo amortecido a
primeira letra da palavra — Esperança, tudo fez com que eu ficasse convencido
de que aquele coração juvenil era de alguém — mas não do repugnante sacristão!
Entretanto o
padre pronunciava o último oremus e o
órgão findava uns trenos magoados.
Terminara a
missa.
A igreja ia-se
esvaziando pouco a pouco. As pequenas corriam para as mães, e estas beijavam
algum grupo alegre de crianças loiras que distraídas, discutiam com as amigas
do colégio sobre a elegância dos seus pequerruchos piegas...
Enquanto
aqui se passava uma cena, toda infantil, na sacristia — silencioso — o padre, e
o meditabundo sacristão trocavam entre si um olhar raivoso mas humilde.
Desesperado
amor! Altiva criança!... Ia, brevemente, cessar o escândalo que se dava há três
semanas durante a missa. — Ia, talvez, pela porta fora, chorar o seu escravizado
amor no cume das montanhas, beijando as açucenas lacrimantes e os nevados lírios
e, num beijo, dizer-lhes o seu amor e, num soluço, dizer-lhes o seu nome!
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Pesquisa, digitalização e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa, digitalização e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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