O Abismo
(Parábola)
Certo velho
mostrava ao filho uma pequena medalha de bronze que tinha suspensa ao peito e
que guardava, há muitos anos, com religioso carinho.
E disse:
— Esta medalha
que vês, meu filho, de aspecto insignificante, feita de metal tão comum, não a
daria eu por uma bolsa de ouro nem pelas glórias terrenas a que a vaidade
aspira tanto. Amo este objeto como a um filho dedicado e à noite, beijo-o com
fervoroso carinho.
— Mas por que
é que amas esta medalha, meu pai? Ela é tão feia!
— Não sei se
ela é feia; sei apenas que ela é um símbolo que constitui para mim a mais cara
recordação da minha vida. Há tempos, o único amigo que tive, único companheiro
da minha miséria, deu-ma no leito de morte, depois de a ter beijado, e morreu.
Ao expirar, agarrou-me as mãos, abriu muito os olhos e parece que soltou por
eles todo o extremoso amor com que me amava. Meu primeiro e derradeiro amigo!
Quem me dera tê-lo ao meu lado, hoje que a fortuna entrou em meu lar!
— Compreendo
agora, meu pai, porque esta medalha te é tão cara. Eu, porém, fosse qual fosse
a recordação que ela me trouxesse ou o símbolo que representasse, não a amaria
nunca.
— Por que,
rapaz?
— Por ser
muito feia e eu só gosto das coisas formosas que agradem à vista.
Então o pai
falou:
"Nunca
devemos amar as coisas ou pessoas só pelo aspecto externo que as reveste:
devemos penetrar-lhes no fundo, estudar-lhes o íntimo a ver se essas pessoas
têm qualidades nobres ou essas coisas qualidades que as valorizem. Muitas vezes
um belo homem, trajado como um fidalgo, aparentando os mais elevados
sentimentos, oculta uma alma ruim, carcomida de vícios e envenenada de
remorsos; outras vezes encontrarás num homem humilde, coberto de andrajos,
mostrando toda a pobreza em que vive, um coração nobre, cheio das mais santas
delicadezas de sentimentos.
Vou-te contar,
pois, uma pequena história de que poderás tirar algum proveito mais tarde.
Dois amigos
seguiam por uma estrada, a passo, muito satisfeitos com sua existência.
Chegaram a um lugar onde a estrada se dividia; de um lado ficava um sinuoso
atalho e do outro uma entrada de bosque sombreado de árvores floridas.
— Eu, disse o
primeiro, sigo pelo atalho, que é descoberto; poderei prever qualquer perigo.
— Eu,
respondeu o segundo, vou pelo bosque gozar a frescura das folhagens e o aroma
das relvas.
Separaram-se.
O primeiro
caminhou adiante sem embaraço nem perigo.
O segundo
entrou no bosque. O solo era todo coberto de uma grama verde e fresca e por
cima a galharia das árvores trançava-se fazendo um teto meio escuro, por onde a
luz se coava brandamente. Deu alguns passos avante; mas, quando foi pisar a
relva, o solo faltou-lhe e o desgraçado rolou e desapareceu num abismo que se
abriu.
Eis a minha
história, meu caro filho.
Nunca te
deixes arrastar só pelo aspecto das coisas; os abismos e os despenhadeiros são
sempre cercados de flores e vegetações formosas; mas se te aproximares delas
para gozar de perto a frescura perfumosa das flores, encontrarás a morte
adiante e nem tempo terás para o arrependimento dos pecados.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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