História da Carochinha
A Carochinha achou cinco réis ao
varrer a cozinha e, doida de alegria, foi a correr pôr-se à janela a gritar:
— Quem quer casar com a
Carochinha, que é rica e formosinha?
Passa um cavalo e diz:
— Quero eu, quero eu!
— Como falas tu?
— Falo assim (e começou a
relinchar).
— Ai, Deus me livre, que me
acordas a vizinhança.
O cavalo foi-se embora, e ela continuou:
— Quem quer casar com a
Carochinha, que é rica e formosinha?
Passou um burro:
— Quero eu, quero eu, quero eu!
— Como falas tu?
— Falo assim (e começou a
zurrar).
— Deus me livre, acordarias a vizinhança!
O burro foi-se, de orelha murcha.
— Quem quer casar com a
Carochinha, que é rica e formosinha?
— Quero eu, quero eu (disse o
porco).
— Então como é a tua fala?
O porco grunhiu tão
desafinadamente que a Carochinha pôs as mãos na cabeça, gritando:
— Deus me livre, acordarias toda
a vizinhança!
E continuou, muito esperta, à sua
janela:
— Quem quer casar com a
Carochinha, que é rica e formosinha?
Passa um gato:
— Quero eu, quero eu!
— Então como falas tu?
— Falo assim: miau, miau, miau!
— Credo! Acordarias a vizinhança!
E continuava:
— Quem quer casar com a
Carochinha, que é rica e formosinha?
— Quero eu, quero eu, quero eu
(disse o carneiro, que passava).
— Como é a tua fala?
— É assim: mé, méé, mééé...
— Não te quero, acordarias a
vizinhança. E tornou a bradar, da janela abaixo:
— Quem quer casar com a
Carochinha, que é rica e formosinha?
— Quero eu, quero eu, quero
eu!... (disse um ratinho esperto, que passava pela rua).
— Então como é a tua voz?
— Chii! Chii! Chii!...
— Quero-te a ti, quero-te a ti,
que não incomodas ninguém.
Casaram, fizeram uma grande boda
e estavam muito satisfeitos.
Um dia, de manhã, a Carochinha
tinha que ir ao mercado, e disse ao seu João Ratão:
— Fica tu em casa a tratar do
almoço, que eu já venho.
O João-Ratão ficou; e, para se
tornar prestável, foi deitar uma casca de cebola na panela, caindo de cabeça
para baixo.
Chiou, chiou, mas, como a querida
Carochinha não estava em casa, lá morreu o João Ratão, cozido e assado no caldeirão.
Ora a Carochinha demorou-se
muito, a tratar das suas compras, a falar com os conhecimentos e a dar parte às
amigas do seu novo estado. Quando, já tarde, chegou a casa, não viu o marido, e
ficou em cuidado, procurando às vizinhas se o tinham visto.
Como lhe não davam notícias dele,
foi para casa, e resolveu almoçar. Mas quando foi levantar a tampa da panela e
viu o marido, já morto, a boiar no cimo do caldo, ficou varada, e, no maior
desespero, desgrenhou-se e arrepelou-se, chorando em altos gritos.
A tripeça, que a ouviu,
perguntou-lhe?
— Que tens tu, Carochinha, que
choras tanto?
— Pois não hei de chorar?! O
João-Ratão caiu na olha por uma casca de cebola.
— Pois se tu, Carochinha, te
arrepelas, eu, que sou tripeça, ponho-me a dançar!
Diz-lhe de lá a janela:
— Que tens tu, tripeça, que estás
a dançar?
— João-Ratão caiu na olha por uma
casca de cebola. A Carochinha arrepelou-se, e eu, que sou tripeça, pus-me a
dançar.
— E eu, que sou janela, ponho-me
a abrir e a fechar.
Diz o telhado:
— Que tens tu, janela, que estás
a abrir e a fechar?
— João-Ratão caiu na olha por uma
casca de cebola. A Carochinha arrepelou-se, a tripeça pôs-se a dançar, e eu,
que sou janela, pus-me a abrir e a fechar.
— E eu, que sou telhado,
destelho-me. Um passarinho que vinha pousar no beirado e o viu assim perguntou:
— Que tens tu, telhado, que te
destelhaste?
— João-Ratão caiu na olha por uma
casca de cebola. A Carochinha arrepelou-se, a tripeça pôs-se a dançar, a janela
a abrir e a fechar, e eu, que sou telhado, destelhei-me.
— E eu, que sou passarinho,
depeno-me.
Foi dali pousar numa árvore, e
esta, que o viu naquele estado, perguntou-lhe:
— Que tens tu, passarinho, que de
depenaste?
— João-Ratão caiu na olha por uma
casca de cebola. A Carochinha arrepelou-se, a tripeça pôs-se a dançar, a janela
a abrir e a fechar, o telhado destelhou-se, e eu, que sou passarinho,
depenei-me.
— E eu, que sou árvore, desfolho-me.
Vinha um boi, muito cansado, procurar
a sombra da árvore e, vendo-a sem
folhas, perguntou:
— Que tens tu, árvore, que te
desfolhaste?
— João-Ratão caiu na olha por uma
casca de cebola. A Carochinha arrepelou-se, a tripeça pôs-se a dançar, a janela
a abrir e a fechar, o telhado destelhou-se, o passarinho depenou-se, e eu, que
sou árvore, desfolhei-me.
— E eu, que sou boi, quebro a
minha armação!
Foi dali beber água a uma fonte,
que lhe perguntou:
— Que tens tu, boi, que estás
assim esmurrado?
— João-Ratão caiu na olha por uma
casca de cebola. A Carochinha arrepelou-se, a tripeça pôs-se a dançar, a janela
a abrir e a fechar, o telhado destelhou-se, o passarinho depenou-se, a árvore
desfolhou-se, e eu, que sou boi, quebrei a armação.
— E eu, que sou fonte, seco-me.
Foi a criada da Rainha à fonte,
e, vendo-a seca, perguntou o que lhe acontecera:
— João-Ratão caiu na olha por uma
casca de cebola. A Carochinha arrepelou-se, a tripeça pôs-se a dançar, a janela
a abrir e a fechar, o telhado destelhou-se, o passarinho depenou-se, a árvore
desfolhou-se, o boi esmurrou-se, e eu, que sou fonte, sequei-me!
— E eu, que sou criada da Senhora
Rainha, quebro a minha cantarinha.
Foi para casa e perguntou-lhe a
Senhora o que acontecera:
— João-Ratão caiu na olha por uma
casca de cebola. A Carochinha arrepelou-se, a tripeça pôs-se a dançar, a janela
a abrir e a fechar, o telhado destelhou-se, o passarinho depenou-se, a árvore
desfolhou-se, o boi esmurrou-se, a fonte secou-se, e eu, que sou criada da
Senhora Rainha, quebrei a minha cantarinha.
— E eu, que sou Rainha,
assento-me nas brasinhas.
Vem o Rei perguntou-lhe porque
estava ali.
— João-Ratão caiu na olha por uma
casca de cebola. A Carochinha arrepelou-se, a tripeça pôs-se a dançar, a janela
a abrir e a fechar, o telhado destelhou-se, o passarinho depenou-se, a árvore
desfolhou-se, o boi esmurrou-se, a fonte secou-se, a criada da Senhora Rainha
quebrou a cantarinha e eu, que sou Rainha, assentei-me nas brasinhas.
— E eu, que sou Rei, as minhas
barbas cortarei.
---
Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...