Como a noite apareceu
(Lenda tupi, da versão do General Couto de Magalhães)
No princípio não havia noite —
dia somente havia em todo tempo. A noite estava adormecida no fundo das águas.
Não havia animais; todas as coisas falavam.
A filha da Cobra Grande - contam
- casara-se com um moço.
Esse moço tinha três fâmulos
fiéis. Um dia, ele chamou os três fâmulos e disse-lhes:
— Ide passear, porque minha
mulher não quer dormir comigo.
Os fâmulos foram-se, e então ele
chamou sua mulher para dormir com ele. A filha da Cobra Grande respondeu-lhe —
Ainda não é noite.
— Não há noite, somente há dia. A
moça falou:
— Meu pai tem noite. Se queres
dormir comigo, manda buscá-la lá, pelo grande rio.
O moço chamou os três fâmulos; a
moça mandou-os à casa de seu pai, para trazerem um caroço de tucumã.
Os fâmulos foram, chegaram à casa
da Cobra Grande, esta lhes entregou um caroço de tucumã muito bem fechado e disse-lhes:
— Aqui está; levai-o. Eia! Não o
abrais, senão todas as coisas se perderão.
Os fâmulos foram-se, e estavam
ouvindo barulho dentro do coco de tucumã, assim: tem, tem, tem... xi... Era o
barulho dos grilos e dos sapinhos que cantam de noite.
Quando já estavam longe, um dos
fâmulos disse a seus companheiros:
— Vamos ver que barulho será
este?
— Não, do contrário nos
perderemos. Vamos embora, eia, remai!
Eles foram e continuaram a ouvir
aquele barulho dentro do coco de tucumã, e não sabiam que barulho era.
Quando já estavam muito longe,
ajuntaram-se no meio da canoa, acenderam fogo, derreteram o breu que fechava o
coco e abriram-no. De repente, tudo escureceu.
O piloto então disse:
— Nós estamos perdidos; e a moça,
em sua casa, já sabe que abrimos o coco de tucumã!
Eles seguiram viagem.
A moça, em sua casa, disse então
a seu marido:
— Eles soltaram a noite; vamos
esperar a manhã. Então, todas as coisas que estavam espalhadas pelo bosque se
transformaram em animais e pássaros.
As coisas que estavam espalhadas
pelo rio se transformaram em patos e em peixes. Do paneiro gerou-se a onça; o
pescador e sua canoa se transformaram em pato; de sua cabeça nasceram a cabeça
e o bico do pato; da canoa, o corpo do pato; dos remos, as pernas do pato.
A filha da Cobra Grande, quando
viu a estrela-d'alva, disse a seu marido:
— A madrugada vem rompendo. Vou
dividir o dia da noite.
Então, ela enrolou um fio e
disse-lhe:
— Tu serás cujubim.
Assim ela fez o cujubim; pintou a
cabeça do cujubim de branco, com tabatinga; pintou-lhe as pernas de vermelho
com urucum e, então disse-lhe:
— Cântaras para todo sempre,
quando a manhã vier raiando.
Ela enrolou o fio, sacudiu cinza
em riba dele, e disse:
— Tu serás inhambu, para cantar
nos diversos tempos da noite e de madrugada.
De então pra cá todos os pássaros
cantaram em seus tempos, e de madrugada para alegrar o princípio do dia.
Quando os três fâmulos chegaram,
o moço disse-lhes:
— Não fostes fiéis - abristes o
caroço de tucumã, soltastes a noite e todas as coisas se perderam, e vós
também, que vos metamorfoseastes em macacos, andareis para todo sempre pelos
galhos dos pau.
(A boca preta e a risca amarela
que eles têm no braço, dizem que são ainda o sinal do breu que fechava o caroço
de tucumã e que escorreu sobre eles quando o derreteram.)
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Fonte:
"Contos tradicionais, fábulas, lendas e mitos": Ministério da
Educação - Fundescola - Projeto Nordeste - Secretaria de Ensino Fundamental.
Brasília, 2000 - Volume 2. (A imagem que acompanha o texto, não se inclui na
referida obra).
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