6/04/2019

Castigo de bem-falantes (Fábula), de Ana de Castro Osório



Castigo de bem-falantes

Três lorpas, muito vaidosos, não contentes com os disparates que faziam na sua aldeia, resolveram vir de companhia à Capital, porque, diziam eles, queriam aprender a falar à lisboeta.

Para aprenderem melhor separaram-se, seguindo cada qual por sua rua.

O primeiro ouviu dizer, a uns sujeitos bem vestidos, que conversavam à porta de uma tabacaria:

— Nós todos três...

O segundo parou defronte dum ourives, onde estavam umas senhoras vendo as joias e ouviu uma dizer:

— Por nosso gosto...

Vai o terceiro e encontra uma grande multidão aclamando um homem que se tornara notável, e ouviu dois espectadores que diziam:

— Justo será...

Ficaram com aquilo na cabeça e a todo o momento empregavam as palavras que tinham aprendido, para mostrarem que já sabiam falar à lisboeta. Daí voltaram todos três à terra, radiantes com a sua sabedoria.

No meio do caminho encontraram um homem morto e foram dar parte à justiça. Perguntou-lhes o Juiz:

— Quem o matou?

— Nós todos três (respondeu o primeiro).

— Por que motivo (continuou o Juiz)?

— Por nosso gosto (respondeu o segundo).

— Bem, então vão ser presos.

— Justo será (disse o terceiro).

E assim foram metidos na prisão, por  quererem  falar à lisboeta.

É o que sucede a quem fala sem pensar, nem saber o valor das palavras.


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Fonte:
Ana de Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)

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