Anacreonte
Em Téos, na
Grécia antiga, havia um poeta que se chamava Anacreonte.
Era velho,
tinha os cabelos inteiramente brancos e as barbas aneladas e longas, que lhe cobriam
o peito e lhe davam um aspecto simpático e venerando.
Era o homem
mais feliz que havia. Como todos o amavam e o distinguiam com uma admiração sem
limites, nada lhe faltava.
Sua habitação
ficava à beira do mar, cujas ondas, na enchente, vinham até à sua porta, quebrando-se
em espumas alvas.
Pela manhã,
mal a aurora tinha nascido, as camponesas de Téos vinham em grupo trazer ao poeta
o sustento do dia. Uma trazia um cântaro de barro cheio de leite gordo, outra
um púcaro de saboroso vinho espumante e frutas de todas as qualidades; outra ainda
um vaso de água pura para as abluções matinais do poeta. Depois untavam-lhe as
barbas e cabelos com óleos aromáticos, perfumavam-lhe os pés com mirra sândalo,
e esperavam, sentadas no chão, os agradecimentos do velho.
Anacreonte
ficava em pé, majestoso na sua inspiração poética, e, com largos gestos e voz
grave, ia cantando as odes que tinha composto durante a noite, fazendo-se
acompanhar a uma lira de prata, cujas cordas desferiam os mais melodiosos acordes.
As raparigas
subiam em seguida e atravessavam o campo em direção às suas casas, cantando as
odes do poeta com suas vozes juvenis. Os camponeses, que não podiam ir fazer ao
velho a visita matinal, porque os impedia o trabalho da lavoura, a criação das
ovelhas e o fabrico do vinho, contentavam-se com vir ao encontro das moças,
para ouvir dos seus lábios as últimas composições de Anacreonte.
Assim vivia
ele, absolutamente feliz, querido e admirado por todos, preocupando-se apenas
com seus versos, indiferente a outros afazeres.
Policrato,
porém, tirano de Samos, curioso por conhecer o poeta, ouvir-lhe dos próprios
lábios a poesia das suas odes, mandou chamá-lo.
Anacreonte,
uma bela manhã, sobraçando a sua lira de prata encordoada de novo, com sua
túnica de púrpura presa aos ombros, uma coroa de pâmpanos e heras em torno à fronte, embarcou numa galera, e partiu mar fora.
Policrato
tinha ordenado que se preparasse um banquete real para festejar-lhe a recepção.
Anacreonte apareceu.
Todos os que
estavam ao redor da mesa, onde se ostentavam as mais extraordinárias iguarias, levantaram-se
com as taças transbordantes e gritaram:
— Evohé! — que
era o grito de satisfação dos gregos.
Anacreonte,
então, em pé no meio dos convivas, admirável na sua roupagem de púrpura, empunhou
o instrumento sonoro, arrancou um acorde e começou a entoar um hino de louvor a
Policrato. Seus versos eram tão belos, tão inspirados, sua voz tão clara, que
todos estavam suspensos de admiração, embriagados de poesia. Policrato
aproximou-se do poeta, curvou-se em sinal de admiração ao seu gênio, deu-lhe
uma bolsa cheia de moedas de ouro, e disse-lhe:
— Toma esta
bolsa; é tua; contém uma fortuna. Quero que sejas o homem mais poderoso de
Samos. Amanhã cantar-me-ás uma ode igual a essa.
Anacreonte agradeceu.
À noite, quando se retirou para os seus aposentos, começou a pensar na fortuna
que lhe pertencia, nas terras que havia de comprar à beira mar, plantadas de
vinha, nas ovelhas brancas pastando pelos outeiros, no cortejo de escravos que
havia de ter, na felicidade, enfim, que lhe dariam aquelas pesadas moedas de
ouro. E não pode dormir, tal era a satisfação de que se achava possuído.
Pela manhã
tinha um aspecto doentio, os olhos amortecidos.
Procurou
Policrato e disse:
— Senhor! aqui
está a vossa bolsa e o ouro que ela contém. Não a quero. Desde que a poesia
bafejou minh'alma, ainda se não passou uma noite em que não compusesse uma ode;
ontem, porém, a riqueza que me destes preocupou tanto minha imaginação, que não
consegui dormir nem compor a ode que me pedistes. Adeus. Quero partir para
Téos, pobre como vim, porém feliz na minha pobreza. Para que servem fortunas?
Nada me falta: tenho o bom leite, o excelente vinho, a água fresca para as
minhas abluções e a amizade dos meus vizinhos. Esta é a minha riqueza. Adeus.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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