Amores trágicos
Tinha
dezessete anos.
A
noiva, um pouco mais nova do que ele, morrera havia dois meses.
Aos
dezessete anos não é licito ter uma noiva, mas apenas uma namorada, duas ou três
namoradas, porque os jovens corações, à semelhança das borboletas, pousam aqui
e além, sempre enternecidos, mas livres sempre.
Certo
é que, desde que lhe morreu a noiva, uma encantadora rapariga que aliava aos
mais desejáveis dotes físicos os mais excelentes predicados morais, nunca mais
teve uma hora de sossego, baldadamente procurando diluir em lágrimas a dor imensa
que o torturava.
Todos
os dias, ao cair da tarde, rigorosamente vestido de luto, ia ajoelhar sobre a
sua sepultura, atapetada de flores.
Ali
ficava, horas esquecidas, ás vezes colando o ouvido à pedra tumular como para
recolher um segredo, uma palavra carinhosa, um juramento de amor, uma promessa
de felicidade com que ela, a morta querida, pretendesse suavizar o seu incomportável
sofrimento, a sua dilacerante saudade.
Tivera
a coragem, que se lhe afigurava agora covardia, de não se matar quando a viu
morta, não obstante ter-lhe dito, pouco antes, perguntando-lhe ela, numa crise
de sofrimento pré-agônico, o que faria se ela morresse:
—
Se fu morresses, o que Deus não permitirá, matava-me.
Só
abandonara o cadáver por breves instantes, em- quanto o vestiam, e até fecharem
o caixão, como que hipnotizado, os olhos fitos no seu rosto lindo, que a morte
não transtornara, parecia querer surpreender o mais leve, o mais apagado sinal
de vida, um imperceptível tremelicar das pálpebras ou dos lábios, um
estremecimento de letárgico que se não ouvisse, como a harmonia das esferas,
que se não visse, como o movimento da luz.
Quando
a metraram na cova, ainda alto o sol, a atmosfera ligeiramente turva, o céu de um
azul desbotado, quase sem nuvens, dois rouxinóis puseram-se a trinar, pousados
no mesmo cipreste, ali perto, e ele teve a impressão de um coro divino que se
organiza para acompanhar a alma da sua querida morta aos paramos infinitos.
A
partir de então, todos os dias, àquela hora, rigorosamente vestido de preto, ia
ajoelhar sobre a sua sepultura, atapetada de flores, e ás vezes, colando o ouvido à
pedra tumular, parecia-lhe que lá de dentro vinham sons, vozes mal articuladas
em que ele adivinhava promessas de felicidade, juramentos d'amor.
Naquele dia,
como nos outros, rigorosamente vestido de preto, chegou à hora em que ela fora
enterrada e ajoelhou sobre a sua sepultura, atapetada de flores, colhidas de
fresco. Um moço do cemitério, generosamente retribuído, tinha o encargo piedoso
de não deixar que houvesse flores murchas sobre aquele cofre sagrado.
Pareceu-lhe,
na alucinação que o dominava, que ela se revolvia na cova e o chamava para
junto de si, para os divinos esponsais.
— Eu vou! Eu
vou!
Um guarda
que andava ali perto, em serviço de ronda, ouviu uma detonação, e correndo para
o local donde lhe pareceu que ela partira, encontrou-o morto, o revolver na mão
crispada e nos lábios o esboço dum sorriso triste e feliz, expressão trágica
dos que morrem de amor, certos de que noutro mundo, certos de que noutra vida
encontrarão a felicidade que na terra não encontraram.
---
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...