Uma Aventura Amorosa
Não costumo
pôr à arte a canga da sensualidade. Confesso, contudo, que devo a uma obra
minha, mas de maneira indireta, uma aventura amorosa. Foi em Barrow-in-Furness
que é um porto na costa ocidental da Inglaterra. Ali, certo dia, depois de um
trabalho de arqueação, estava eu sentado sobre uma barrica, num cais
abandonado. Acabava de escrever um soneto — elo de uma cadeia de vários — em
que o fato de estar sentado nessa barrica era um elemento de construção. Aproximou-se
de mim uma rapariga, por assim dizer, — aluno, segundo depois soube do liceu (High School) local — e entrou em
conversa comigo. Viu que estava a escrever versos e perguntou-me, como nestas
ocasiões se costuma perguntar, se eu escrevia versos. Respondi, como nestes
casos se responde, que não. A tarde, segundo a sua obrigação tradicional, caia
lenta e suave. Deixei-a cair. É conhecida a índole portuguesa e o caráter propício
das horas, independentemente das índoles e dos portugueses. Foi isto uma
aventura amorosa? Não chegarei a dizê-lo. Foi uma tarde, num cais longe da Pátria;
e hoje é, decerto, uma recordação a ouro fosco. Assim diríamos no "Orfeu";
assim não deixarei de o dizer agora.
A vida é
extremamente complexa, e os acasos, são, por vezes, necessários. O conto não
tem nome, desde o princípio. O ouro fosco ficou úmido e a tarde caiu definitivamente.
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Pesquisa, digitalização e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Sensacional!
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