A raposa, o gaio e o doutor mocho
O Gaio, que é um bonito pássaro
de vistosa plumagem, tinha muito medo dos ladrões e dos assassinos. Por isto
foi fazer o seu ninho escondido no mais alto de uma carvalheira.
A Raposa, que anda sempre a
rondar para fazer mal aos pobres inocentes, porque vive de matar e comer a
carne das suas presas, passou por baixo da árvore e ouviu o chilrear dos
pequeninos gaios, muito alegres com a chegada dos pais que lhes traziam o
sustento. Volta-se para cima e diz:
— Dá-me já um dos teus filhos, ó
Gaio, senão deito esta árvore abaixo e como-os todos.
O pobre Gaio, julgando toda a
ninhada em perigo, assustou-se, e sacrificou um dos filhos para salvar os
outros.
A Zorra comeu-o de uma só
dentada, lambeu os beiços, e foi-se embora, não se importando nada com os
lamentos das pobres aves, que choravam lá em cima na carvalheira.
No dia seguinte voltou ela, e
disse a mesma coisa.
Mas o Gaio desesperado,
respondeu-lhe:
— Pois deita a árvore abaixo, que
não me importo. Antes quero que morramos todos juntos do que entregar-te mais
um filho.
A astuciosa que fez? Foi a toda a
pressa a uma ribeira que corria próximo, molhou a cauda na água e voltou para a
carvalheira, a correr, e com a cauda muito empavesada. Como lhe batia o sol,
brilhava como a folha de uma navalha afiada, e o Gaio, que é timorato,
assustou-se e gritou:
— Não cortes a árvore, que eu te
dou mais um dos meus filhos.
Foi o que a Raposa quis ouvir.
Apanhou na boca o filhote do Gaio, e engoliu-o, indo-se embora toda regalada.
Nessa tarde, o Gaio tirou-se dos
seus cuidados e foi consultar o Doutor Mocho, conhecido entre todos os outros
animais pela sua esperteza e bom conselho. Contou-lhe todos os seus desgostos,
desde que a Zorra lhe descobrira o pouso.
— Não te assustes (afirmou-lhe o
Mocho, com ponderação), que eu nunca ouvi dizer, nem li nos livros sábios, que,
seco ou molhado, o rabo de uma Raposa possa cortar uma árvore.
O Gaio foi para o seu ninho mais
animado, e quando a Raposa voltou, a pedir-lhe outro filho sob pena de cortar o
tronco da carvalheira e a deitar abaixo, declarou:
— Não tenho medo, porque nunca se
viu nem se ouviu que nenhum rabo de Zorra tenha cortado o tronco de uma árvore.
A Raposa ficou furiosa e
resmungou:
— Já sei, já sei. Isso foram
conselhos do Doutor Mocho. Ele há de vir a cair-me nas unhas, e então mas
pagará.
Dias depois foi o Doutor Mocho
chamado a advogar uma causa importante, mas, como era longe, foi montado num
burro. Chovera muito e os caminhos estavam de maneira que o pobre jumento caiu.
E assim o Mocho e a sua montada ficaram atascados na lama.
A Zorra, que assistira à cena
escondida atrás de uma sebe, saltou de lá e filou o pobre Sábio.
— Bravo, minha querida Raposa
(disse-lhe o triste Mocho, fazendo das tripas coração, quando já lhe estava
entre os dentes!) Desta vez mostraste que és, como toda a gente diz, o mais
esperto dos bichos. A tua vitória é tão grande, por teres conseguido apanhar um
Sábio como eu, que deves gritar aos quatro ventos: — Mocho comi! Mocho comi!
A Zorra encheu-se de vaidade, e
abriu a boca para gritar:
— Mocho comi!
O sábio Doutor, vendo-se livre
dos seus dentes, voou com quanta força tinha, respondendo lá do alto:
— A outro sim, que nanja a mim!
Desta maneira se perdem, pela
vaidade, os que mais espertos se julgam.
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Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
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